sábado, 18 de abril de 2009

"A felicidade segundo Fassbinder" por Thaís Maioli


“A felicidade nem sempre é divertida”. Os sonhos quando não têm de conviver com a solidão, o preconceito, as pressões sociais e, sobretudo, com o medo, precisam disputar lugar com todas essas intempéries para terem a possibilidade de serem alcançados. Essa é a perspectiva de felicidade concebida por Fassbinder em “O medo devora a alma” (1974). Uma ideia de contentamento que se distingue da idealizada pelo senso comum por não se moldar no entretenimento constante, mas por se mostrar, à despeito da pouca receptividade do ambiente, algo tangível.


Para representar esta diferente concepção de felicidade, o diretor cria um romance espelhado em suas experiências individuais. O relacionamento amoroso da senhora alemã, Emmi (Brigitte Mira), com um muçulmano vinte anos mais novo, Ali (El Hedi ben Salem) consegue expor as dificuldades advindas do preconceito e das cobranças sociais, bem como o medo de ser segregado por persistir lutando contra os padrões da sociedade. Esse roteiro muito bem construído por Fassbinder pode ser considerado, guardada as proporções, uma projeção da sua relação homoafetiva com El Hedi ben Salem.


Além de retratar os obstáculos que devem ser vencidos durante a busca pela felicidade, o autor também evidencia a recompensa por se manter perseverante e incorruptível às “imposições sociais”. A oportunidade de viver um amor puro. Um amor que encontra no outro o consolo e o apoio, que se sobrepõe ao orgulho, que é destituído do sentimento de posse e que não surge ao primeiro olhar, mas que evolui. É assim que é construída a relação de Emmi e Ali. A princípio originada por semelhanças, como a necessidade de ambos de serem escutados e compreendidos, mas posteriormente reforçada pelo respeito às diferenças.


O amor de Emmi e Ali não se parece com as paixões, comumente narradas hoje em dia, em que se enfatiza a descoberta do sentimento através de um primeiro olhar. Ou ainda com aquele amor que desde o princípio era forte. O relacionamento plantado pelos dois não se assemelha a nada disso, uma vez que se sustenta na idéia de progressão. Essa característica pode encontrar a sua metáfora na evolução da dança dos personagens. Na primeira cena, no bar, eles mantiveram certa distância um do outro e respeitaram formalidades de compasso e de diálogo. No segundo momento, já noivos, dançaram abraçados, revelando a conquista de maior intimidade. Por fim, na terceira dança, desculparam-se pelos erros cometidos e se reconciliaram, marcando na força a expressão facial e nos gestos a principal razão para o entendimento.


Fassbinder também reproduz neste filme o ocultamento do preconceito quando posto diante dos interesses pessoais. Todos aqueles que antes se mostraram contra o casamento Emmi e Ali, passaram a apoiá-los quando necessitaram de algum favor ou vislumbraram perpetuar algum benefício próprio. As vizinhas, o comerciante, as colegas de trabalho e o seu próprio filho são exemplos disso.


Alguns assuntos explorados em O medo devora a alma já haviam sido abordados em “Tudo que o céu permite” (1955), de Douglas Sirk. A semelhança, no que diz respeito à história desses dois filmes, revela a importância de recrudescer discussões recorrentes sob uma outra contextualização. As cobranças de comportamento exigidas à Cary por seus amigos e filhos, recaíram também sobre Emmi. Além disso, as duas personagens tinham as suas vidas preenchidas pela solidão antes de encontrar o amor. No caso de Emmi, a solidão foi ainda mais acentuada, pois, embora morasse perto de seus filhos, cada um estava mais preocupado com a sua própria vida. As diferenças de visão de mundo e cultura entre os envolvidos no romance também foram tratadas pelas duas tramas. Em “Tudo que o céu permite”, Cary e Ron possuíam distintas prioridades e formas de lidar com as pressões sociais. Em “O medo devora a alma”, houve um enfoque na diferença cultural.


Por fim, o filme reforça a concepção comum de felicidade na cena em que Emmi e Ali estão sentados à frente de um restaurante. Ao filmar por alguns instantes o casal de mãos dadas, imagina-se que eles conseguiram vencer todo o preconceito que residia sobre a sua relação e que naquele momento, estavam em paz. Entretanto, quando a câmera se aproxima dos dois personagens, é possível constatar que Emmi alcançou a “felicidade que nem sempre é promotora da diversão”. Uma felicidade incompleta na perspectiva idealizada já que comporta amor e medo ao mesmo tempo.

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