sábado, 15 de novembro de 2014

"A hora do lobo", por Júlia Meireles



Com a mistura de realidade e fantasia, loucura e lucidez, Ingmar Bergman traz nesse filme a exposição de conflitos humanos e psicológicos. Através de uma narrativa difícil e permeada de incertezas, o diretor cria uma atmosfera sombria e intrigante a respeito da vida de um casal, que se muda para uma casa afastada da sociedade. Através da convivência diária dos dois, cresce, misturando-se passado e presente, uma tensão entre os dois, entre as pessoas que os cercam (imaginárias ou não) e as lembranças do passado, trazidas gradualmente.
O filme começa introduzindo o espectador no que seria o apanhado de informações do pintor Johan (Max von Sydow) desaparecido ,através de seu diário pessoal. Ele e sua mulher, Alma (Liv Ullman), teriam se mudado para uma casa numa ilha, afastada de tudo e de todos, onde passaram 7 anos. Com o relato direto de Alma, frente a câmera, começa gradativamente uma mistura entre o presente, onde ela expõe a sua relação com o marido, e o passado, através da retomada direta tanto do diário dele, quanto de situações vividas pelos dois, que poderiam estar escritas ou não.
A partir da constante mistura desses dois tempos, notam-se as perturbações que estaria vivendo Johan, enquanto Alma tenta ajuda-lo constantemente. Grávida, ela passa a acompanhar e tentar entrar nos devaneios do pintor, que parece estar passando por uma crise de identidade, trazendo a todo momento lembranças passadas, misturadas a visões de outras coisas e pessoas. No momento em que o espectador parece convencer-se da possível loucura de Johan, é introduzido no filme uma cena que traz Alma conversando com uma das personagens do devaneio, a qual lhe informa da existência e localização do diário do pintor dentro da casa. A partir disso, Alma tem acesso aos escritos de Johan e mais uma vez o espectador assiste a lembranças lidas e vividas pelo artista. Outra cena que gera a dúvida no espectador entre realidade e fantasia, é a do casal em meio as pessoas até então julgadas como imaginarias, num casarão perto de onde o pintor e sua mulher estariam morando. 

Nota-se por parte dos personagens da casa, a exaltação do trabalho artístico dele, ao mesmo tempo em que se vê uma vontade de afasta-lo de sua mulher, quando esses buscam relembra-lo de coisas passadas marcantes em sua vida. A postura de Alma, no entanto, é sempre mostrada como uma mulher apaixonada que acompanha Johan em seus medos e situações depressivas demonstradas no filme como, por exemplo, através da dificuldade e quase impossibilidade que ele apresenta para dormir de noite, passando a madrugada em claro com Alma ao seu lado, a qual escuta os seus sonhos e pensamentos. É num desses momentos que o nome do filme é citado pelo pintor, quando este fala que 'A hora do lobo', na madrugada, é o momento em que mais pessoas nascem e morrem, gerando ainda mais tensão a respeito da mente do artista. 

A presença de uma lembrança especifica na vida de Johan, na qual o espectador toma conhecimento do que teria sido o grande amor de sua vida, uma mulher de nome 'Veronica Vogler' começa a criar um atrito entre ele e Alma, principalmente quando ela é atiçada a respeito disso na cena do casarão. Essa tensão atinge seu cume quando um dos personagens vizinhos vai à casa dos dois para convida-los para jantar, dizendo que Veronica Vogler estaria presente, e entrega uma arma para Johan, sob o pretexto de que ela seria útil para os pequenos perigos da ilha. A partir dessa notícia, Alma pede para o pintor relatar sobre Veronica e o conflita a partir da diferença entre o relato dado por ele e o que ela teria lido em seu diário. A partir desse comportamento de Alma, o artista atira em sua mulher e parte para o casarão encontrar Veronica.

Essas cenas finais do filme confundem ainda mais o espectador a respeito do que seria real ou fictício, no momento em que para o pintor encontrar Vogler, este passa por diversas situações estranhas e 'irreais' dentro daquele universo que seria o jantar. Ao encontrá-la é atingido o ápice da perturbação presente em todo o filme, onde todos os personagens, imaginários ou reais, aparecem junto a ele e Veronica, ainda na casa, rindo enquanto os dois estão juntos. 

Mais uma vez o espectador é levado a crer na fantasia que seriam os personagens para a cabeça do pintor, no entanto tudo se confunde outra vez quando Alma, que teria sido atingida pela bala apenas de raspão, o espera em casa escondida , sai a sua procura pela floresta, encontra-o, grita por ele, o assiste sendo espancado pelos personagens vizinhos e depois desaparecendo. Após tal fato, na ultima cena do filme, ela questiona a existência ou não daqueles que os rondavam e se tal fato teria ocorrido porque ela o amara demais e começara a enxergar o que ele enxerga, ou amara de menos e foi por isso que tudo ocorrera daquela forma.

Com uma fotografia bem trabalhada, repleta de jogos de sombra e de luz, Ingmar Bergman mistura realidade e fantasia com destreza, e cria momentos de dúvida com sua montagem pouco convencional. As atuações de Liv Ullman e Max Von Sydow trazem para o filme uma carga emocional verdadeira, sem apelar para recursos melodramáticos.


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