O primeiro filme de Godard representa uma grande quebra de paradigmas com o cinema convencional norte-americano. As marcas de diferentes movimentos de câmera, montagem com jump-cuts e um roteiro livre fazem o filme causar um estranhamento no espectador até nos dias de hoje - o que torna a proposta do filme ainda bastante atual.
Em Acossado, assistimos à história de Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo), delinquente que, em uma de suas fugas, acaba por atirar em um policial e, por isso, passa a ser perseguido durante o filme. Nesse meio tempo, Michel encontra uma mulher de seu passado, Patricia (Jean Seberg), uma jornalista americana que está vivendo na França.
Logo nos minutos iniciais da narrativa, o personagem Michel quebra o espaço de campo do filme e se dirige diretamente ao público. Esse é um dos muitos artifícios utilizados no filme para fazer o espectador criar consciência de seu lugar de observador da história, evidenciando que aquilo que está sendo visto não corresponde a realidade – coisa que o cinema americano insiste em esconder. Os jump-cuts, como o da cena em que o casal passeia de carro pela cidade, são a ratificação disso.
Além disso, o filme foi produzido sem delimitações de roteiro (tudo que Godard tinha eram algumas anotações), deixando um espaço grande para intervenções dos próprios atores nas falas e atos dos personagens, o que contribui para o ar de revolução formalista que paira sobre a obra. Mas, ao mesmo tempo em que a forma se distancia do cinema clássico, o conteúdo se aproxima em alguns momentos. Isso é bem marcado pelas referências feitas ao longo do filme, como a Romeu e Julieta e a Renoir.
O romance de Michel e Patrícia, no entanto, é construído com base em questões existencialista – algo muito recorrente na cinegrafia de Godard. A cena em que os dois estão no quarto escancara isso para o espectador: a mulher se encontra em um dilema entre o aprisionamento de se entregar ao amor ou o seu desejo vívido por liberdade. Essa cena é marcada por diálogos poéticos e fortes, onde frases impactantes fazem a mente do espectador ir ainda além do que o filme propõe, como quando Patrícia faz reflexões sobre a sua liberdade e sua infelicidade: "Não sei se sou infeliz porque não sou livre ou se não sou livre porque sou infeliz". Michel, em contrapartida, mesmo fugido da polícia, sabe que está preso ao seu sentimento por ela. Tanto que, no fim do filme, é esse amor que vai sentenciá-lo.
Durante todo o filme, vemos que Patrícia tem o controle da situação. Isso fica bem claro quando ela decide denunciá-lo para a polícia – optando, assim, pela sua liberdade. Mas mesmo tendo feito sua escolha, ela não consegue se desprender do amor que tem por Michel e vai contar que fez a denúncia. Talvez por um desejo secreto de que ele fuja. Mas ele continua ali, mesmo tendo a oportunidade de fugir. E é aí onde o filme termina: Michel, descoberto pela polícia, é baleado e morto.
A última cena do filme revela muito sobre os personagens. Durante o filme, vemos Michel passando o polegar ao redor dos lábios – hábito que foi repetido por ele diversas vezes. Ao vê-lo morto, Patrícia – em mais uma interação direta de personagens com o espectador – olha para diretamente para câmera e repete o gesto sempre feito pelo parceiro. Ao fim das contas, isso evidencia o quanto de Michel existe nela. E ainda mais: mostra que, mesmo em sua liberdade, ela ainda está e estará presa ao seu amor.
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