"Eu não creio que seja possível distinguir
claramente o passado, o presente, o futuro, o imaginário e as lembranças
daquilo que verdadeiramente aconteceu. Esse é o problema que tentei abordar em
"Oito e meio"".
Federico Fellini
O filme é construído na subjetividade, e em uma
série de pensamentos que misturam lembranças, inventividade, aflição, e passa a
embaralhar ficção com realidade, sonho e presente. A introdução do filme é um
sonho e assim continua, a precisão do diretor é incrível ao explanar o
inconsciente do personagem Guido.
A história trata de um homem chamado Guido, um cineasta
em crise de criatividade, que aparenta um certo cansaço no seu modo de viver e
resolve se internar à procura de inspiração, esperando uma solução para os seus
problemas em última instância. Toda a enorme produção do filme, que irá trabalhar
as gravações, fica exigindo informações sobre o roteiro que ele, aparentemente,
não têm. Toda a equipe fica cercando o personagem principal, o que, felizmente,
dificulta o seu processo, pois sem eles com certeza estaria mais perdido.
E é com esse roteiro que Fellini ganha o
prestígio de ter usado uma estratégia que representou uma reviravolta para
contornar o impasse criativo; o filme torna-se metalinguístico, que utiliza a
linguagem do cinema para demonstrar um filme que seus personagens estão
trabalhando, e autobiográfico, porque conta o que o próprio Fellini estaria
sentindo: a dificuldade de elaborar um filme, com muitas cenas retiradas da sua
vida, e que segundo ele, algumas foram concretizadas através de seus sonhos.
O próprio título do filme é autobiográfico, pois
faz referência à carreira do Federico Fellini, que até 1963 (ano de lançamento
de Oito e Meio), havia trabalhado como diretor em seis longas metragem, dois
episódios de filme e um curta metragem, no qual ele considerou meio filme, por
isso ele tinha escrito "Oito e Meio" logo no início da produção, e
assim decidiu permanecer.
Fellini demonstra uma grande influência da
psicologia analítica descrita por Jung, onde o inconsciente é um sistema que
passa de geração em geração, contendo todos os elementos esquecidos e também
novas informações estabelecidas e herdadas. É perceptível essa influência pelo
grande foco dado aos sonhos do personagem principal (Guido), para esclarecer a
si mesmo e os episódios de sua infância. Ainda seguindo as cenas em que o
personagem central está sonhando: os movimentos dos personagens, da câmera e os
diálogos que apresentam uma confusão impregnada, evidenciam impecavelmente como
o personagem discerne o mundo real.
A câmera contorna as imagens do subconsciente do
diretor, fragmentada de sarcasmo e inventividade. Os ângulos da câmera, as tomadas
longas, incidindo de um personagem a outro, a fotografia bem expressionista na
cena do carro com o personagem Guido, a trilha sonora muito pontual, e a quebra
de cenas representando ora o real, ora o fictício, ou as visões de Guido,
compõem essa belíssima obra de Fellini.
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