sábado, 15 de novembro de 2014

"Oito e meio", por Juliane Travassos



"Eu não creio que seja possível distinguir claramente o passado, o presente, o futuro, o imaginário e as lembranças daquilo que verdadeiramente aconteceu. Esse é o problema que tentei abordar em "Oito e meio"".
 Federico Fellini

O filme é construído na subjetividade, e em uma série de pensamentos que misturam lembranças, inventividade, aflição, e passa a embaralhar ficção com realidade, sonho e presente. A introdução do filme é um sonho e assim continua, a precisão do diretor é incrível ao explanar o inconsciente do personagem Guido.

A história trata de um homem chamado Guido, um cineasta em crise de criatividade, que aparenta um certo cansaço no seu modo de viver e resolve se internar à procura de inspiração, esperando uma solução para os seus problemas em última instância. Toda a enorme produção do filme, que irá trabalhar as gravações, fica exigindo informações sobre o roteiro que ele, aparentemente, não têm. Toda a equipe fica cercando o personagem principal, o que, felizmente, dificulta o seu processo, pois sem eles com certeza estaria mais perdido.

E é com esse roteiro que Fellini ganha o prestígio de ter usado uma estratégia que representou uma reviravolta para contornar o impasse criativo; o filme torna-se metalinguístico, que utiliza a linguagem do cinema para demonstrar um filme que seus personagens estão trabalhando, e autobiográfico, porque conta o que o próprio Fellini estaria sentindo: a dificuldade de elaborar um filme, com muitas cenas retiradas da sua vida, e que segundo ele, algumas foram concretizadas através de seus sonhos.

O próprio título do filme é autobiográfico, pois faz referência à carreira do Federico Fellini, que até 1963 (ano de lançamento de Oito e Meio), havia trabalhado como diretor em seis longas metragem, dois episódios de filme e um curta metragem, no qual ele considerou meio filme, por isso ele tinha escrito "Oito e Meio" logo no início da produção, e assim decidiu permanecer.

Fellini demonstra uma grande influência da psicologia analítica descrita por Jung, onde o inconsciente é um sistema que passa de geração em geração, contendo todos os elementos esquecidos e também novas informações estabelecidas e herdadas. É perceptível essa influência pelo grande foco dado aos sonhos do personagem principal (Guido), para esclarecer a si mesmo e os episódios de sua infância. Ainda seguindo as cenas em que o personagem central está sonhando: os movimentos dos personagens, da câmera e os diálogos que apresentam uma confusão impregnada, evidenciam impecavelmente como o personagem discerne o mundo real.


A câmera contorna as imagens do subconsciente do diretor, fragmentada de sarcasmo e inventividade. Os ângulos da câmera, as tomadas longas, incidindo de um personagem a outro, a fotografia bem expressionista na cena do carro com o personagem Guido, a trilha sonora muito pontual, e a quebra de cenas representando ora o real, ora o fictício, ou as visões de Guido, compõem essa belíssima obra de Fellini.

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