Stalker, de Tarkovsky, conta a história de três homens sem
nome: um Escritor, um Professor, e um “Stalker”, que guia os primeiros dois por
meio de uma traiçoeira área (intitulada de “A Zona”) que pode ou não pode ser
sobrenatural, levando a um local que pode ou não pode dar a eles o que eles
mais desejam.
É uma sinopse vaga para um filme vago. É na vagueza de
significado, imagens abstratas e um clima que lembra um sonho que “Stalker” acha
sua força tanto visual quanto narrativa. Nada é muito claro, nada é muito bem
explicado ou elaborado pelos personagens, ou pelo filme. É um filme onde o
silêncio fala mais alto que as palavras, os longos momentos de reflexão interna
onde o absoluto nada acontece são os momentos que, paradoxalmente, as mais
importantes coisas acontecem. A narrativa é guiada pelo implícito, pelo não
dito. às vezes pelas expressões dos atores, às vezes apenas pelo movimento do
cenário.
Com tanta ambiguidade tudo se torna, como um sonho, um
exercício de interpretação, se tornando possíveis interpretar inúmeras
metáforas, analogias e significados em meio as imagens, ao silêncio, as cores e
aos ocasionais devaneios dos personagens sobre a natureza humana. E quem sabe é
nesse exercício de interpretação que a força do filme é encontrada, na
possibilidade do espectador acompanhar os personagens em sua própria jornada
filosófica e concluir com eles o que é, afinal, a felicidade, a esperança
(temas recorrentes no trabalho de Tarkovsky).
Visualmente, é um filme intensamente impactante. Começando
pelo contraste entre o tom sépia e cinzento do mundo exterior com as cores
vibrantes e explosivas da Zona (adquiridas, em parte, por um trabalhoso
processo de colorização manual das plantas e arbustos), tudo parece ter sido
cuidadosamente bem pensado para melhor se encaixar com a narrativa e suas
peculiaridades temáticas. É um filme que passa boa parte de seu tempo enterrado
entre pilhas de escombros, claustrofóbicas neblinas, e exuberantes naturezas,
mantendo sempre um certo tom inquieto, incerto, irreal, intangível tal qual a
própria jornada emocional que os personagens executam. Todo esse clima
narrativo abstrato é complementado por uma trilha sonora experimental, incomum,
que acrescenta ao sentimento de alienação do real.
Mas não é apenas no incerto e no implícito que “Stalker”
triunfa, o explícito e o exposto também demonstram habilidade diretorial: Nos
profundos, cínicos, reflexivos, poéticos devaneios do Escritor sobre a natureza
humana, seus demônios, sua fé, seus fracassos, seus triunfos, nos comentários
lacônicos, frios, científicos do Professor sobre sobrevivência e pragmatismo e
finalmente nas palavras inocentes, ingênuas porém profundamente sábias, do
titular Stalker, o filme encontra três personagens muito bem trabalhados em
suas falhas, qualidades, seus medos e bravuras em meio ao ambíguo background que
eles se encaixam, fornecendo (muito bem escritas, por sinal) discussões e
interpretações sobre os eventos.
Um eterno embate entre o cinismo poético do Escritor, que
busca a felicidade mas ao mesmo tempo rejeita-a, o pragmatismo frio do
Professor, cujo estoicismo progressivamente racha ao longo do filme, e a
inocência honesta do Stalker, que busca apenas e simplesmente, ser. Três pontos
de vistas, três guias da jornada filosófica que caracteriza “Stalker”. Qual
deles está correto e qual deles está errado? quem sabe todos, quem sabe nenhum.
Os três atores interpretam seus papéis de forma exímia;
capturando com meros olhares e movimentos corpóreos o diálogo que os
personagens travam entre si nos silêncios do filme.
Em suma, “Stalker” prova-se como uma reflexão complexa sobre temas da psique humana, fortemente visual e narrativo, um filme único
dentre a ilustre cinematografia de Andrei Tarkovsky, que pode ser visto, sob
algumas perspectivas, como seu mais completo trabalho.
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