Em Era uma vez
em Tóquio o tempo é fotografado em suas mais variadas faces, de uma forma nunca
vista por mim em qualquer outro título do cinema, Ozu se mostra como senhor do
tempo. Apresentando um cinema oriental corajoso remando numa contramão ao
grande cinema clássico americano, aqui não vemos superproduções e ápices
narrativos e sim histórias de pessoas e vida cotidiana, numa contenção que
chega a ser quase sagrada.
A narrativa
mostra uma casal de velhos do interior do Japão em visita a seus filhos, já
independentes em Tóquio, sua relação com pelo menos mais Três gerações da família
e, ainda a relação de cada geração com o
tempo. Como já dito por mim o tempo é fotografado em várias faces, o tempo que
passou para os velhos, o tempo que não pára para os Adultos sempre atarefados,
o tempo que não chega para os mais jovens (Crianças entediadas), o tempo que
liberta a jovem que já não pensa mais tanto no amado morto na guerra, o tempo
que transforma e reconstrói as cidades destruídas na guerra e o tempo perdido,
de alguém que partiu e já não podemos ter nenhum tempo com elas.
Na montagem de
Ozu, os tempos são alongados, não há frenesi, não há fragmentação, os planos chegam a
ser pesados como o tempo real. Logo no início do filme vemos o casal de idosos
se preparando para a viagem a Tóquio onde pretendem visitar os filhos e alguns
amigos, A senhora parece pré-sentir que essa será sua ultima viagem, se
considera velha e parece a todo momento estar se despedindo do mundo. Um trem é visto
em vários momentos, mesmo sem ter uma ligação direta com a narrativa, como se
fosse uma metáfora a vida e ao tempo que não para.
A filha mais
nova cuida dos pais é atenciosa e amável, numa singela demonstração de que a
vida nas cidades de interior permite uma relação mais tranqüila com o tempo, já
ao chegar na grande cidade o casal vem a ser um transtorno na vida dos
parentes, o menino questiona seu espaço de estudo tomado para acomodar os
avós, O médico não consegue tempo para
sair e dar atenção aos filhos e pais. A
mãe da família parece insensível a condição dos mais velhos que ao voltar
repentinamente de sua estadia numa praia (pois consideraram o lugar destinado
aos mais jovens) atrapalham sua necessidade de espaço para uma reunião de
trabalho.
É nesse momento
que o velho se reencontra com os amigos do passado onde relatam as saudades
cravadas pelo tempo, na forma como deveriam ter gerido suas vidas, o tempo que
já não tem mais para educar seus filhos de outra forma. A senhora vai
para a casa da nora, que é amável e atenciosa, e tem uma conversa libertadora e
saudosa sobre seu filho morto na guerra.
Tudo é muito
singelo na representação, mas vem a ser mais escancarado no momento em que
velha volta para casa e adoece, e ainda mais quando morre, o tempo que não é o
bastante para o filho que estava ocupado e não chegou a tempo de se despedir da
mãe, e a mulher que parece insensível ao planejar sua volta imediata aos
compromissos na cidade grande e ainda pede determinados pertences da idosa, os
discursos são mais diretos, a revolta da filha mais nova a indiferença dos
parentes é confrontada a voz doce da
razão que vem da nora, que explica a relação de cada um dos personagens com
suas vidas preocupações e ralação com o tempo.
Particularmente fiquei
muito tocado na forma como o filme é contemporâneo e atual, mesmo que eu esteja
no Ocidente em 2014 e Ozu esteve no Oriente em 1950, nossa relação com o tempo
é a mesma, me vejo pensando na vida de meu pai, que era alcoolista e já partiu,
em minha relação com minha tia que tem 80 anos e vem sempre do interior e eu
não consigo encontrar tempo para estar com ela, e mesmo com minha mãe que não
consigo estar mais que gostaria. É como se o tempo nos fizesse reféns de sua
passagem de acordo com nossa idade, esse tempo que Ozu retratou em Era uma vez
em Tóquio, o tempo que na realidade não existe é apenas uma convenção humana e
não da natureza.
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