sábado, 15 de novembro de 2014

"Era uma vez em Tóquio", por Danilo Tácito Rufino


Em Era uma vez em Tóquio o tempo é fotografado em suas mais variadas faces, de uma forma nunca vista por mim em qualquer outro título do cinema, Ozu se mostra como senhor do tempo. Apresentando um cinema oriental corajoso remando numa contramão ao grande cinema clássico americano, aqui não vemos superproduções e ápices narrativos e sim histórias de pessoas e vida cotidiana, numa contenção que chega a ser quase sagrada.

A narrativa mostra uma casal de velhos do interior do Japão em visita a seus filhos, já independentes em Tóquio, sua relação com pelo menos mais Três gerações da família e, ainda a  relação de cada geração com o tempo. Como já dito por mim o tempo é fotografado em várias faces, o tempo que passou para os velhos, o tempo que não pára para os Adultos sempre atarefados, o tempo que não chega para os mais jovens (Crianças entediadas), o tempo que liberta a jovem que já não pensa mais tanto no amado morto na guerra, o tempo que transforma e reconstrói as cidades destruídas na guerra e o tempo perdido, de alguém que partiu e já não podemos ter nenhum tempo com elas.

Na montagem de Ozu, os tempos são alongados, não há frenesi, não há fragmentação, os planos chegam a ser pesados como o tempo real. Logo no início do filme vemos o casal de idosos se preparando para a viagem a Tóquio onde pretendem visitar os filhos e alguns amigos, A senhora parece pré-sentir que essa será sua ultima viagem, se considera velha e parece a todo momento estar se despedindo do mundo. Um trem é visto em vários momentos, mesmo sem ter uma ligação direta com a narrativa,  como se fosse uma metáfora a vida e ao tempo que não para.

A filha mais nova cuida dos pais é atenciosa e amável, numa singela demonstração de que a vida nas cidades de interior permite uma relação mais tranqüila com o tempo, já ao chegar na grande cidade o casal vem a ser um transtorno na vida dos parentes, o menino questiona seu espaço de estudo tomado para acomodar os avós,  O médico não consegue tempo para sair  e dar atenção aos filhos e pais. A mãe da família parece insensível a condição dos mais velhos que ao voltar repentinamente de sua estadia numa praia (pois consideraram o lugar destinado aos mais jovens) atrapalham sua necessidade de espaço para uma reunião de trabalho.

É nesse momento que o velho se reencontra com os amigos do passado onde relatam as saudades cravadas pelo tempo, na forma como deveriam ter gerido suas vidas, o tempo que já não tem mais para educar seus filhos de outra forma. A senhora vai para a casa da nora, que é amável e atenciosa, e tem uma conversa libertadora e saudosa sobre seu filho morto na guerra.

Tudo é muito singelo na representação, mas vem a ser mais escancarado no momento em que velha volta para casa e adoece, e ainda mais quando morre, o tempo que não é o bastante para o filho que estava ocupado e não chegou a tempo de se despedir da mãe, e a mulher que parece insensível ao planejar sua volta imediata aos compromissos na cidade grande e ainda pede determinados pertences da idosa, os discursos são mais diretos, a revolta da filha mais nova a indiferença dos parentes é confrontada a voz doce  da razão que vem da nora, que explica a relação de cada um dos personagens com suas vidas preocupações e ralação com o tempo.

Particularmente fiquei muito tocado na forma como o filme é contemporâneo e atual, mesmo que eu esteja no Ocidente em 2014 e Ozu esteve no Oriente em 1950, nossa relação com o tempo é a mesma, me vejo pensando na vida de meu pai, que era alcoolista e já partiu, em minha relação com minha tia que tem 80 anos e vem sempre do interior e eu não consigo encontrar tempo para estar com ela, e mesmo com minha mãe que não consigo estar mais que gostaria. É como se o tempo nos fizesse reféns de sua passagem de acordo com nossa idade, esse tempo que Ozu retratou em Era uma vez em Tóquio, o tempo que na realidade não existe é apenas uma convenção humana e não da natureza.


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