sábado, 15 de novembro de 2014

Cul-De-Sac (Roman Polanski, 1966), por Yure Araújo de Melo



Se me fosse pedido para definir o filme Cul-de-Sac, do diretor Polonês/Francês Roman Polanski, com apenas uma expressão, essa expressão teria que ser “bem-humorado”. Com um senso de humor bastante negro e peculiar (que lembra em diversos pontos o humor que vemos hoje em dia nas obras dos irmãos Coen), o filme traz situações bem estranhas, vividas por três personagens tão diferentes entre si que é impressionante o modo como eles são interessantes juntos.
A trama começa quando os bandidos Dickie (Lionel Stander) e Albie (Jack MacGowran) empurram um carro em direção a um velho castelo medieval localizado num istmo. Com Albie ferido mortalmente, cabe a Dickie ir ao castelo procurar ajuda para o amigo, mesmo estando ele também ferido no braço. Os proprietários do castelo são o condescendente George (Donald Pleasence) e a sua belíssima jovem esposa Teresa (Françoise Dorleac), que se veem forçados a aceitar a dupla de malfeitores em sua casa. Porém, com a subida da maré, George se vê ilhado esperando o resgate de seus chefes criminosos (uma conexão com o título do filme, que numa tradução literal significaria “Sem Saída”), e várias situações ocorridas no castelo faz com que a relação entre os três personagens se modifique constantemente, de forma curiosa e até mesmo divertida.
A relação forjada entre os personagens por essa inusitada situação parece ser o ponto mais importante do enredo, por si só. Nota-se no início do filme, quando Dickie finalmente se apresenta e exige a ajuda do improvável casal, que George é um velho conhecido da dupla de bandidos, daí vindo todo o seu medo e prontidão para servi-lo. No final do filme essa relação é sugerida novamente, quando George sussurra, em pânico, o nome do chefe dos bandidos, convencido de que ele chegará para exigir vingança. Porém, em momento algum a narrativa nos diz qual é a história entre os três homens: o passado das personagens nunca é abertamente explorado pelo roteiro, que foca exclusivamente nos fatos que ocorrem durante a invasão da propriedade por Dickie.
O filme, porém, consegue nos dizer muito sobre as personagens com apenas esses fragmentos de história, o que é um feito admirável. Pela cena inicial onde Dickie espia Teresa com o seu jovem vizinho (que descobriremos depois se tratar de seu amante) percebe-se que seu casamento com George não anda às mil maravilhas; pelo ressentimento de George pela mulher chamada Agnes (que, a propósito, só é revelado seu nome durante o resto do filme), sabemos que o seu último relacionamento terminou de forma trágica para ele, e que ainda não foi superado. Nenhum desses momentos é explicado com clareza durante todo o longa, mas isso não é necessário: apenas os detalhes bastam, e as ações dos personagens no rumo da história dizem o bastante sobre eles.
O relacionamento entre George e Teresa talvez seja o que mais causa estranheza em toda a estranha história. Ela é uma mulher sensual e decidida, cheia de vida, enquanto ele é um homem nervoso e medroso, que age com uma atitude extremamente passiva em relação a tudo que ocorre ao seu redor. Essa atitude é constantemente criticada por Teresa durante o filme, que o acusa de não ser homem o suficiente e exige uma postura mais enérgica do marido contra a imposição do violento Dickie, sem sucesso. Ela passa então a se juntar ao bandido no trabalho de tirar sarro do próprio marido, criando as situações mais divertidas (um humor bem ácido) do enredo. Sem a mínima química romântica, porém com um carinho perceptível entre os dois, George e Teresa parecem curiosamente mais um casal de irmãos do que marido e mulher.
A personagem de Dickie talvez seja o elo que une todas as peças do filme: violento e sarcástico, todas as ocasiões divertidas passam por ele, que empresta o seu humor bruto para diversas ocasiões ocorridas no desenrolar da história. As cenas onde ele precisa fingir ser o mordomo do casal na frente dos visitantes são impagáveis, e pessoalmente são minhas sequências favoritas. A trilha sonora também combina muito bem com o filme: as músicas são raras, sempre saindo do rádio ou da vitrola do castelo e muitas vezes terminando abruptamente de forma bem humorada (como quando o menino travesso arranha o disco de Teresa), em um modo que se conecta bastante com o humor fatal de Dickie.

Cul-de-Sac é uma obra que vale a pena ser vista por todos os cinéfilos. Divertidíssimo e com atuações geniais, sobretudo por parte do estranho personagem de Donald Pleasence, o filme conta também com uma belíssima fotografia e um roteiro brilhante, que desenvolve muito bem os personagens sem a necessidade de se aprofundar nos seus passados, encontrando no presente a maior chave para o entendimento sobre eles.

Um comentário:

  1. Boa de ler, esta crítica. Gostei! Quero rever logo, é o melhor filme do RP.

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