Os
Incompreendidos, dirigido por François Truffaut no ano de
1959, é um filme dotado de extrema sensibilidade, tanto na questão estética e
visual como nos assuntos tratados pela narrativa. Com suas cenas rodadas pelas
ruas Parisienses, o primeiro longa do diretor é a reafirmação de suas ideias
lançadas na revista Cahiers Du Cinéma sobre o cinema de autor. A cena que abre
o filme é um extenso travelling que passeia pela cidade de Paris, acompanhado
de uma trilha sonora que será marcante em toda a película. A escolha por
gravações realizadas nas ruas, longe dos estúdios, é uma característica da
Nouvelle Vague herdada do neo-realismo italiano, movimento que irá influenciar
bastante o cinema dos chamados Jovens Turcos e dos cineastas franceses da época
em geral. Juntamente com o filme Acossado
de Jean-Luc Godard e Hiroshima, meu amor,
de Alan Resnais; Os Incompreendidos é
considerado um filme base para o movimento. Fica claro que esses diretores não
querem mais um cinema “artificial” gravado em estúdios, mas um cinema “real”,
em que a câmera circula livremente pelas ruas. Além disso, a questão da
temporalidade também é um tema bastante recorrente nos filmes desses cineastas,
pois eles propõem um cinema cada vez mais contemplativo e reflexivo.
É nesse contexto, portanto, que se situa Os Incompreendidos: um filme que narra a
história de Antoine Doinel (Jean-Pierra Léaud), um garoto de 14 anos, que mora
com a mãe (Claire Maurier) e o padrasto (Albert Rémy), e que, a todo instante,
vive a cometer rebeldias. Ele e seu amigo de escola, René (Patrick Auffay), diversas
vezes faltam aula para ir ao cinema, por exemplo. Além disso, o relacionamento
com seus pais e com seu professor não é nada agradável. Somando-se a tudo isso
os anseios, medos e descobertas que todo adolescente vivencia, Doinel é o
retrato dessa incompreensão perante a
sociedade. Fala-se muito que o
protagonista do filme é uma espécie de alter ego do diretor, que teve infância
bastante semelhante com a dele: problemas familiares, atitudes rebeldes e,
depois, o reformatório. Nesse filme, Truffaut revela sua maestria ao tratar de
temas tão recorrentes nas sociedades como um todo de maneira leve e singular,
como as questões relacionadas à infância, à adolescência e à solidão, por
exemplo. Trata-se, portanto, de uma obra-prima dotada de uma sensibilidade
encantadora na maneira em que desenvolve sua narrativa. Visualmente falando, o
filme também é incrivelmente detalhista e sensível. Há uma cena, bastante
interessante, em que um professor de Educação Física está correndo com os
alunos pelas ruas da cidade e, aos poucos, estes vão se dispersando
propositalmente. O movimento da câmera, nessa passagem, basta em si mesmo,
mostrando o poder do plano-sequência na narrativa. Outra cena interessante, que
talvez passe despercebida, é um momento em que Doinel está em um quarto e existem
três espelhos em cena. A maneira na qual os reflexos se organizam, por exemplo,
criam uma mise-en-scène essencialmente cinematográfica, e essa era uma das
questões mais discutidas pelos cineastas da Nouvelle Vague: fazer um cinema que
detivesse uma linguagem especialmente do cinema, longe das limitações das
adaptações literárias, por exemplo. Os
Incompreendidos, portanto, é a
prova desse cinema delicadamente cinematográfico. E Truffaut, desse cinema
sensivelmente autoral.
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