sábado, 15 de novembro de 2014

Os Incompreendidos, por Larissa Veloso Assunção


Os Incompreendidos, dirigido por François Truffaut no ano de 1959, é um filme dotado de extrema sensibilidade, tanto na questão estética e visual como nos assuntos tratados pela narrativa. Com suas cenas rodadas pelas ruas Parisienses, o primeiro longa do diretor é a reafirmação de suas ideias lançadas na revista Cahiers Du Cinéma sobre o cinema de autor. A cena que abre o filme é um extenso travelling que passeia pela cidade de Paris, acompanhado de uma trilha sonora que será marcante em toda a película. A escolha por gravações realizadas nas ruas, longe dos estúdios, é uma característica da Nouvelle Vague herdada do neo-realismo italiano, movimento que irá influenciar bastante o cinema dos chamados Jovens Turcos e dos cineastas franceses da época em geral. Juntamente com o filme Acossado de Jean-Luc Godard e Hiroshima, meu amor, de Alan Resnais; Os Incompreendidos é considerado um filme base para o movimento. Fica claro que esses diretores não querem mais um cinema “artificial” gravado em estúdios, mas um cinema “real”, em que a câmera circula livremente pelas ruas. Além disso, a questão da temporalidade também é um tema bastante recorrente nos filmes desses cineastas, pois eles propõem um cinema cada vez mais contemplativo e reflexivo.


            É nesse contexto, portanto, que se situa Os Incompreendidos: um filme que narra a história de Antoine Doinel (Jean-Pierra Léaud), um garoto de 14 anos, que mora com a mãe (Claire Maurier) e o padrasto (Albert Rémy), e que, a todo instante, vive a cometer rebeldias. Ele e seu amigo de escola, René (Patrick Auffay), diversas vezes faltam aula para ir ao cinema, por exemplo. Além disso, o relacionamento com seus pais e com seu professor não é nada agradável. Somando-se a tudo isso os anseios, medos e descobertas que todo adolescente vivencia, Doinel é o retrato dessa incompreensão perante a sociedade. Fala-se muito que o protagonista do filme é uma espécie de alter ego do diretor, que teve infância bastante semelhante com a dele: problemas familiares, atitudes rebeldes e, depois, o reformatório. Nesse filme, Truffaut revela sua maestria ao tratar de temas tão recorrentes nas sociedades como um todo de maneira leve e singular, como as questões relacionadas à infância, à adolescência e à solidão, por exemplo. Trata-se, portanto, de uma obra-prima dotada de uma sensibilidade encantadora na maneira em que desenvolve sua narrativa. Visualmente falando, o filme também é incrivelmente detalhista e sensível. Há uma cena, bastante interessante, em que um professor de Educação Física está correndo com os alunos pelas ruas da cidade e, aos poucos, estes vão se dispersando propositalmente. O movimento da câmera, nessa passagem, basta em si mesmo, mostrando o poder do plano-sequência na narrativa. Outra cena interessante, que talvez passe despercebida, é um momento em que Doinel está em um quarto e existem três espelhos em cena. A maneira na qual os reflexos se organizam, por exemplo, criam uma mise-en-scène essencialmente cinematográfica, e essa era uma das questões mais discutidas pelos cineastas da Nouvelle Vague: fazer um cinema que detivesse uma linguagem especialmente do cinema, longe das limitações das adaptações literárias, por exemplo. Os Incompreendidos, portanto, é a prova desse cinema delicadamente cinematográfico. E Truffaut, desse cinema sensivelmente autoral.

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