"Original,
jovem, audacioso e impertinente, sacodindo as normas do filme de comédia
clássico". Características suficientes para Uma Mulher é Uma Mulher ganhar
o prêmio oficial do júri do 11° festival de Berlim. Para não ficar atrás,
graciosamente enquadrada pelas lentes apaixonadas de Godard, com quem se casara
no mesmo ano, Anna Karina leva no mesmo festival o prêmio de melhor atriz,
"pelas qualidades raras em atrizes iniciantes". Sua beleza, juventude
e leveza, além da expressão da liberação sexual na personificação de Angela,
são características marcantes na atriz em início de carreira.
Falando em
liberação sexual, a personagem principal é a representação de todas as mulheres
e de sua busca pelo papel na sociedade. E Godard contrapõe o tempo todo a
liberação feminina com sua fragilidade: Angela faz strip-tease em um cabaret,
namora com Émile mas é a paixão de
Alfred, amigo do seu namorado. Enquanto afirma sua independência ao insistir na
ideia de ter um filho mesmo com a oposição firme de Émile, discute com ele
sobre a beleza ou a feiura de uma mulher que chora, afirma que "nada é
mais bonito do que uma mulher que chora" e que as mulheres modernas que
tentam imitar os homens são idiotas por não chorarem. Decidida a ter seu bebê,
e por ideia do próprio Émile, tenta ter seu filho com o terceiro membro deste
triângulo amoroso. As incertezas e a indecisão de Angela diante desse triângulo
nutre de comicidade todo o desenrolar do filme.
A complexidade
da idiossincrasia de Angela segue em paralelo com a complexidade da montagem do
jovem diretor, o filme trata-se de uma verdadeira revolução de conteúdo e
forma. O som é atração a parte na obra de Godard, tirando sempre o espectador
do lugar comum: a trilha sonora descontinuada, os cortes abruptos da música e o
som que interrompe falas são mais marcantes aqui do que nunca. Além disso a
própria encenação se dá de forma inovadora quando de repente Angela se vira
para o espectador e dá uma piscadela, por exemplo, ou promove junto com seu
namorado na cozinha de sua casa uma encenação direcionada aos espectadores.
O filme também
pode também ser lido como uma homenagem ao musical americano. Descrito por ele
mesmo como um "musical neo-realista", tornando ainda mais complexo o
conjunto do filme, por tatar-se de um verdadeiro sincretismo ao juntar em um só
termo um gênero essencialmente Hollywoodiano com um movimento totalmente
anti-americano. "Cinéma/ Comédie/Musical" aparecem em letras
garrafais no início do filme. Em uma das sequências Angela diz: "Eu
gostaria de estar num musical com Cyd Charisse e Gene Kelly!". Além disso,
a própria quebra da realidade exemplificada anteriormente relaciona-se diretamente
com a quebra de realidade utilizada nas cenas do filme do gênero musical.
Em Uma Mulher
é Uma Mulher, Godard transforma a história aparentemente simples de uma
stripper num filme riquíssimo, graças à maneira com que explora a
individualidade da personagem principal e graças ao seu jeito único de brincar
com os diálogos, com a encenação e com a montagem.
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