sábado, 15 de novembro de 2014

"Uma mulher é uma mulher", por Juliana Soares Lima


"Original, jovem, audacioso e impertinente, sacodindo as normas do filme de comédia clássico". Características suficientes para Uma Mulher é Uma Mulher ganhar o prêmio oficial do júri do 11° festival de Berlim. Para não ficar atrás, graciosamente enquadrada pelas lentes apaixonadas de Godard, com quem se casara no mesmo ano, Anna Karina leva no mesmo festival o prêmio de melhor atriz, "pelas qualidades raras em atrizes iniciantes". Sua beleza, juventude e leveza, além da expressão da liberação sexual na personificação de Angela, são características marcantes na atriz em início de carreira.
Falando em liberação sexual, a personagem principal é a representação de todas as mulheres e de sua busca pelo papel na sociedade. E Godard contrapõe o tempo todo a liberação feminina com sua fragilidade: Angela faz strip-tease em um cabaret, namora com Émile mas  é a paixão de Alfred, amigo do seu namorado. Enquanto afirma sua independência ao insistir na ideia de ter um filho mesmo com a oposição firme de Émile, discute com ele sobre a beleza ou a feiura de uma mulher que chora, afirma que "nada é mais bonito do que uma mulher que chora" e que as mulheres modernas que tentam imitar os homens são idiotas por não chorarem. Decidida a ter seu bebê, e por ideia do próprio Émile, tenta ter seu filho com o terceiro membro deste triângulo amoroso. As incertezas e a indecisão de Angela diante desse triângulo nutre de comicidade todo o desenrolar do filme.
A complexidade da idiossincrasia de Angela segue em paralelo com a complexidade da montagem do jovem diretor, o filme trata-se de uma verdadeira revolução de conteúdo e forma. O som é atração a parte na obra de Godard, tirando sempre o espectador do lugar comum: a trilha sonora descontinuada, os cortes abruptos da música e o som que interrompe falas são mais marcantes aqui do que nunca. Além disso a própria encenação se dá de forma inovadora quando de repente Angela se vira para o espectador e dá uma piscadela, por exemplo, ou promove junto com seu namorado na cozinha de sua casa uma encenação direcionada aos espectadores.
O filme também pode também ser lido como uma homenagem ao musical americano. Descrito por ele mesmo como um "musical neo-realista", tornando ainda mais complexo o conjunto do filme, por tatar-se de um verdadeiro sincretismo ao juntar em um só termo um gênero essencialmente Hollywoodiano com um movimento totalmente anti-americano. "Cinéma/ Comédie/Musical" aparecem em letras garrafais no início do filme. Em uma das sequências Angela diz: "Eu gostaria de estar num musical com Cyd Charisse e Gene Kelly!". Além disso, a própria quebra da realidade exemplificada anteriormente relaciona-se diretamente com a quebra de realidade utilizada nas cenas do filme do gênero musical.

Em Uma Mulher é Uma Mulher, Godard transforma a história aparentemente simples de uma stripper num filme riquíssimo, graças à maneira com que explora a individualidade da personagem principal e graças ao seu jeito único de brincar com os diálogos, com a encenação e com a montagem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário