domingo, 18 de abril de 2010

"39 Degraus" por Ricardo Duarte


Nos dias atuais é quase indissociável o gênero suspense e o nome de Alfred Hitchcock. Conhecido como o mestre desse gênero, apenas alguns poucos filmes da sua extensa filmografia não pertencem a essa classificação. Cenas antológicas, como o esfaqueamento de Lila Crane no chuveiro estão na mente de milhares de cinéfilos ao redor de todo mundo e servem de material para inúmeras paródias e/ou inspirações. Entretanto, quase todos os filmes mais comentados de Hitchcock, ou considerados como seus melhores, são os feitos quando ele estava nos Estados Unidos, fazendo com que os seus longas-metragens britânicos sejam esquecidos por grande parte das pessoas. O que é uma pena, pois nele já podemos perceber algumas das características marcantes presentes nos seus trabalhos posteriores.

“39 Degraus” tem como tema central algo recorrente no cinema do mestre do suspense: um homem sendo culpado e, consequentemente, perseguido por algo que não fez. A história é a do canadense Richard Hannay, que, em uma noite, após dois tiros que dispersam uma multidão num show de apresentações, acolhe uma misteriosa mulher na sua casa. Tudo se complica ao descobrir que sua hóspede é, na verdade, uma espiã que descobriu um plano para roubar segredos vitais do exército britânico e que está sendo perseguida. Morta durante a noite pelos agentes que a perseguiam, a culpa por seu assassinato recai sobre os ombros de Richard, que, seguido pela polícia e os criminosos, tenta arranjar um jeito de limpar o seu nome. Claro que se tratando de um filme de Hitchcock os planos, ou os “39 degraus”, são apenas um MacGuffin, ou seja, uma desculpa para o desenvolvimento da história e personagens, fazendo com que eles não tenham importância. Entretanto, o diretor devia saber que não explicar o “mistério” que dá título ao filme provavelmente decepcionaria a audiência, por isso inclui uma explicação rápida, rasa e totalmente dispensável nos últimos minutos da projeção.

Sendo baseado num livro de espiões com todos os clichês desse gênero, o próprio protagonista ironiza esse fato no início do filme, quando fala:
“Mulher charmosa e misteriosa perseguida por pistoleiros. Parece história de espiões.”
Não é na fraca história que devemos nos focar, mas sim na relação entre Richard e Pamela e no seu simbolismo com as algemas. O símbolo mais concreto e óbvio da perda de liberdade e também com uma relação secreta com o sexo (como afirmou o próprio Hitchcock), elas serviriam para mostrar que os relacionamentos privam-nos de muitas coisas. Pensando dessa forma é extremamente correto que na primeira vez que se encontram e Richard a beija forçosamente, para se esconder da polícia, ele segure as mãos dela da mesma forma que as algemas fariam mais tarde e que a última cena do filme mostre apenas os protagonistas de costas, dando ênfase na algema enquanto os dois se dão as mãos. Começando a ser “presa” pela força, mas no final do filme, mesmo após ter escapado do que a prendia a ele, Pamela pega na mão de Richard por vontade própria, transmitindo uma mensagem esperançosa e moralista de Hitchcock em relação aos relacionamentos.

Um fator do filme que pode incomodar bastante as pessoas que vêem o filme esperando um filme de ação ou suspense ou, simplesmente, algo mais parecido com filmes como “Psicose” ou “Um Corpo que Cai”, é o uso quase ininterrupto do humor. Mas esse também é um dos fatores presentes constantemente nos filmes do diretor britânico, algo que ele mesmo define como sendo o understatement. Sendo muito mais presente nesse trabalho no que na maior parte dos outros, o humor está ao longo de todos os momentos do filme, seja uma piada de um policial que vê os protagonistas se beijando ou as ações de um marido ciumento pensando que está sendo traído. Devo admitir, entretanto, que esse humor não me agradou algumas vezes em que o achei desnecessário ou bastante infantil. Outra coisa que realmente me irritou bastante ao ver o filme foi a inverossimilhança de algumas passagens. Mesmo sabendo que Hitchcock afirmava que não concordava com a verossimilhança e que se livra dela sempre que isso for preciso para o desenvolvimento da história, acho que ele poderia dar, ao menos, um pouco mais de importância a ela, pois há coisas realmente intragáveis que acontecem no filme e que poderiam ser facilmente explicados se ele fizesse um esforço. Por que os assassinos não mataram Richard quando invadiram sua casa se logo depois o perseguiriam para tal?

Quanto ao lado estético, o filme segue um padrão não muito diferenciado, o que decepciona um pouco, tratando-se de um filme de Hitchcock, reconhecido por muitos cineastas como o criador de alguns planos geniais, embora haja algumas coisas dignas de nota. Os close-ups estão bastante presente no filme, seja para mostrar algo importante ou aumentar o mistério/dramaticidade, como quando a agente, logo no início do filme, dispara os dois tiros. A câmera é como uma pessoa, que sempre que vê algo importante ou interessante no cenário foca toda sua atenção naquilo, não mostrando mais nada na tela. Há também uma boa montagem quando a empregada, ao encontrar o corpo da mulher dá um grito e esse vira o apito do trem na cena seguinte. E o que falar da bela cena em que o diretor homenageia os filmes mudos durante o jantar na cabana? Em algumas trocas de olhares entre dois personagens, nós captamos tudo o que eles estão pensando sem nenhuma frase ser trocada entre eles, o que mostra um dos aspectos primordiais do cinema e me faz lembrar a afirmação de Bergman que o silêncio pode ser bem mais comunicativo do que várias falas.

Outro fato problemático são os diálogos fracos e às vezes caindo no ridículo. Muitas vezes esses são bastante expositivos e artificiais, alguns para provocar humor, outros para alavancar a história de espiões com dicas. Com uma boa exceção que é o diálogo entre Richard e a mulher do marido ciumento, no qual, em poucas frases descobrimos um bocado daquela personagem e criamos uma afeição mesmo ela aparecendo tão pouco no filme, e aqui abro parênteses para dizer que eu torci para a participação dela ser maior do que realmente foi, pois ela protagonizou duas das melhores cenas da película: esse diálogo e as trocas de olhares no jantar.

Preocupando-se mais nos seus simbolismos do que com a história em si, Alfred Hitchcock, fez um filme que possui sua essência como autor, mas que poderia ser bem melhor se fosse mais trabalhado. Ainda assim, uma obra divertida e com seus bons momentos, mesmo abarrotada de clichês e diálogos fracos.

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