domingo, 18 de abril de 2010
"Desencanto" por Lady Patrícia Oliveira
Poucas vezes, ainda mais em dias atuais, um filme conseguiu ser tão sensível e verdadeiro ao tratar da paixão, ainda mais de forma tão consciente e realista. Parte do mérito é do diretor David Lean, que traz com seu Desencanto (Brief Encounter) um dos melhores filmes do gênero.
Apesar do título, Desencanto é um filme encantador: conta a história de Laura Jensson (Célia Johnson), uma dona de casa de um subúrbio inglês, que conhece um belo estranho, o médico Alec Harvey (Trevor Howard) em um café. Após alguns encontros, conversas agradáveis e troca de gentilezas, ambos vão, gradativamente, descobrindo-se apaixonados; ao mesmo tempo, vão sendo tomados pelo sentimento de culpa, uma vez que os dois são casados, vivendo numa época em que a traição conjugal era considerada algo sórdido. Apesar disso, é impossível não se comover com a história dessas duas pessoas comuns, vivendo a rotina de suas vidas burguesas e enfadonhas, sacudidas por uma paixão repentina. Tanto que ao mesmo tempo em que podemos torcer discretamente pelo romance proibido dos protagonistas, também simpatizamos com o esposo de Laura, o gentil Fred (Cyril Raymond). Através da narrativa da protagonista, acompanhamos do seu ponto de vista o modo como ela “revela” ao marido sua aventura extraconjugal. É interessante notar como seu tom de voz muda enquanto descreve as situações vividas: eufórico, ao contar suas fugidas com o amante; triste e melancólico, ao pensar em sua iminente partida para a África, e na inevitável separação.
Tecnicamente, o filme não ousa. Certinho, mas impecável: intercala momentos presentes com flashbacks e narração em off, recursos que funcionam bem; bela fotografia, montagem inteligente e ágil, não cansativa. Apesar do rótulo de “filme romântico”, Desencanto não cai na pieguice em nenhum momento, mantendo o tom até o final. Lean o conduz com sutileza, mas também com precisão, deixando-o evoluir de forma crível, e consegue uma proeza. O final feliz, porém, não virá. Prevaleceram as convenções morais (dos protagonistas, bem entendido), embora o filme, provavelmente, não tenha a intenção de ser moralista. Talvez por isso, a ausência de happy end, na época de seu lançamento o filme não foi bem recebido pelo público, que ansiava por finais felizes, após as conseqüências devastadoras da recente guerra. (Posteriormente, o filme foi indicado ao Oscar e ganhou o prêmio da crítica no Festival de Cannes). Mas isto não deve causar “desencanto” no espectador. Ao contrário. Desencanto é um lindo filme, que vale a pena ser visto.
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