domingo, 18 de abril de 2010

"Hábito de sexo: não se esconde a libido" por Evandro Mesquita



A dúvida inicial era se daria certo reproduzir um cenário oriental de tamanhas proporções para os diretores Powell e Pressburger rodarem esta história que mistura religião, sexo e poder.

O palácio de Mopu, ex-harém, transformado em convento, onde a maior parte das ações acontece, foi concebido por Alfred Junge e construído em Pinewood. O pano de fundo do Himalaia foi pintado em vidro e a brisa da montanha foi feita com um grande ventilador. A recompensa de Junge foi ganhar o Oscar assim como Jack Cardiff que levou o de melhor fotografia pela profundidade visual e suavidade na produção de cores, coisa rara para a época. A utilização do estúdio favoreceu a um total controle sobre a atmosfera e o ambiente os quais, aliados a virtuosidade técnica explicam o porquê Narciso Negro continua a exercer uma espécie de referência para gerações de novos cineastas.

O filme é, sem dúvida, tingido de clichês orientalistas: os nativos são vistos como inocentes ou infantis; o misticismo do oriente representado pelo mudo Sagrado que fica embaixo de sua árvore em eterna meditação; o exotismo sem freio representado pelo jovem general (Sabu) e Kanchi (Jean Simmons). Kanchi, assim como homem Sagrado, nunca fala; seu silêncio parece acentuar sua frieza. Além disso, a estranheza do lugar, onde o vento nunca para de soprar e o ar que é tão claro que dá para enxergar a centenas de metros de distância, são culpados pelo mal-estar que causam nos europeus.

Narciso Negro parece zombar com o exotismo em especial no momento em que Sabu anuncia que seu perfume Narciso Negro do título foi comprado em lojas do exército e da marinha.

Entretanto, enquanto a tensão começa a apertar as freiras, enquanto as repressões retornam para assombrá-las, fica claro que o principal catalizador, com certeza no caso de ambas as irmãs Clodagh (Debora Kerr) e Ruth (Kathleen Byron) é o Dean (David Farrar), o agente britânico que trabalha como o governante local e que convidou (seduziu?) as irmãs. Como os nativos, Dean é altamente sexy em termos de aparência com suas camisas reluzentes e coloridas e seus braços e pernas descobertos, contrastando com os austeros hábitos das freiras. No momento de crise ele aparece na cena sem roupa até a cintura, proporcionando uma imagem da crua sexualidade masculina.

A partida das freiras confirma a suprema vitória da repressão. Clodagh e Dean trocam agrados; ela lhe oferece a mão a qual ele segura momentaneamente. Então a chuva começa, podendo isto ser interpretado como o símbolo de liberação sexual, porém vemos a imagem de Dean fadado a ficar com os “fantasmas” que Clodagh foi capaz de deixar para trás. O lançamento de Narciso Negro em 1947 coincidiu com o fim do Raj (período da Inglaterra colonial no sul da Ásia entre 1858 e 1947). A retirada das freiras não só ecoa como o fim do domínio inglês sobre a Índia, como também a imagem de Dean, o inglês colonialista sofrendo o fardo de suas próprias emoções reprimidas, o que proporciona uma reflexão sobre o fracasso do poder imperial.

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