domingo, 25 de abril de 2010
“If...., Uma crítica feroz ao conservadorismo” por Aaron Athias
'If....' é daqueles filmes que conseguem exprimir o sentimento da juventude do fim de uma década. Os últimos anos da década de '60 foram marcados por revoltas e rebeliões estudantis em muitos países, com destaque para o famoso maio de '68 de Paris, onde os jovens levantaram a voz e estandartes contra os valores antiquados da chamada sociedade tradicional. O filme é isso. Uma crítica ácida à hipocrisia e ao conservadorismo presentes não somente na educação tradicional como também na Igreja e no Exército.
É nesse contexto histórico-social que se insere a Academia. Nome propositadamente genérico dado por Anderson ao colégio internato pelo qual toda trama se passa. A Academia representa, nesse filme, toda a educação formal e rígida das escolas privadas e até públicas da época em questão (interessante notar que escola pública na Inglaterra significa escola privada na verdade, as escolas verdadeiramente públicas são chamadas de State Schools.) Divagações à parte, o filme de Anderson é quase claustrofóbico. A grande maioria das cenas são internas forçando o espectador a acompanhar a rotina dos estudantes e a mergulhar no seu(s) universo(s). O colégio é realmente um mundo à parte onde as regras parecem se inventar cotidianamente somando-se a outras regras e manias. Logo nas primeiras cenas percebemos os abusos de autoridade cometidos pelos chamados whips (chicotes), estudantes já formados e com autoridade para mandar nos outros alunos para impor 'ordem' na instituição. Os seis whips chamam os alunos calouros de scum, (tradução literal: escumalha, ralé) e cada um tem direito a ter o seu próprio scum para serviços pessoais como servir chá, esfregar sua pele durante o banho e até para favores sexuais. As ordens são muitas e as desobediências não são toleradas, podendo levar inclusive a punições físicas.
Ao longo do filme acompanhamos o trio Mick Travis, Johnny e Wallace, três jovens que retornam ao internato depois das férias para completar o último ano, e sua relação com a Academia. Como num efeito bola de neve, talvez por terem aguentado todos os anos anteriores, a insatisfação contra seus opressores vai crescendo, assim como o ódio alimentado pelos whips e o desfecho do filme é a inevitável declaração de guerra às instituições. Guerra não somente no sentido figurado, como também no sentido literal mesmo, com direito a metralhadoras, bazucas e dinamites.
If.... é autobiográfico. Ao descobri isso, não só deixei de encarar o filme como um manifesto de contracultura, mas também como um desabafo pessoal. Filho de um oficial de guerra, Anderson estudou em escolas 'privadas' e recebeu uma educação formal e rígida. Inclusive, muitas das cenas se passam no Cheltenham College, em Gloucestershire, um dos colégios em que o diretor estudou. Mesmo quem desconhece essas informações percebe uma força e uma agressividade nos sentimentos dos alunos que chega ser anormal. É difícil de explicar essa carga emotiva passada pelo filme, que para mim se torna justificada no momento em que é representada por alguém que vivenciou uma realidade se não igual, muito parecida com a da história.
O filme tem um forte apelo visual assim como político-ideológico. A imagem do iconoclasta Mick Travis vestido como quem vai à guerra se tornou, assim como muitas outras figuras (fictícias ou não) da época, símbolo da contra-cultura. Não seria exagero afirmar que esse é o filme mais notável de Lindsay Anderson.
Os filmes de Lindsay Anderson são classificados por muitos como British New Wave, espécie de equivalente inglês do movimento homônimo em francês, Nouvelle Vague. Diretores como Tony Richardson se consagraram ao produzir filmes realistas enfocando classes e tipos sociais pouco representados cinematograficamente. Muitos filmes da época desses dois diretores foram inclusive considerados pseudo-documentais. Mas longe dos chamados kitchen sink dramas ( filmes que enfocavam a vida e a rotina das classes trabalhadoras, por exemplo) If.... não é a representação quase documental de uma classe social desprivilegiada, é mais um manifesto juvenil de revolta. Até porque socialmente falando, a Academia é um colégio privado a uma elite intelectual e financeira da Inglaterra – uma classe privilegiada.
Tecnicamente o filme apresenta características interessantes. A divisão do longa é feita em capítulos de uma forma organizada com títulos que lembram fortemente nomes de atos de peças. A alternância de sequencias coloridas e sequencias preto e brancas dá um efeito estranho. Em algumas cenas preto e branco, não todas, curiosamente prevaleceu uma atmosfera de sonho, e de um paralelismo aos eventos principais da trama, com destaque para a cena do bar em que Mick e Johnny encontram a Moça. Ali, a edição, as falas curtas e improváveis assim como a monocromia atuaram juntos para criar um efeito surreal de escapismo. Aliás, essa cena do café, seguida da dos três (Mick, Johnny e a Moça) na motocicleta em muito me lembrou os filmes franceses da Nouvelle Vague. O amoralismo, o impulso adolescentio, o egocentrismo, a indiferença quase niilista com relação ao mundo exterior paradoxalmente em contraste com o fervor anarquista de querer mudar o seu redor são também atributos de If... e em muito reforçam essa minha analogia.
If...., ao mesmo tempo que consegue transpor com êxito sua crítica aos fundamentos conservadores, não deixa de ser também um tanto quanto radical e polêmico. O culto à violência e à guerra chega a ser exacerbado. Falas como “Não há guerra errada” são no mínimo controversas. A crítica ao sistema educacional inglês da época logicamente não agradou a todos e fizeram do filme um dos mais censurados de sua época na Inglaterra. Um embaixador britânico chegou dizer que a película era “um insulto à nação” e um tal de Lord Brabourne leu um roteiro esboçado do filme antes das filmagens e teria dito “the most evil and perverted script I've ever read. It must never see the light of day".
Quanto à temática de rebeldia escolar no cinema, de fato é sabido que o filme Zéro de Conduite: Jeunes diables au collège (1933) de Jean Vigo foi uma das maiores influências de Anderson tanto na criação quanto na produção do longa. Sobre isto, o diretor teria afirmado "Seeing Vigo's film gave us the idea and also the confidence to proceed with the kind of scene-structure that we devised for the first part of the film particularly." Em bom português: “Ver o longa de Vigo nos deu a idéia e a confiança para proceder com o tipo da cena-estrutura que nós planejamos particularmente para a primeira parte do filme.”
Achei interessante o modo como o diretor retratou a dicotomia disciplina x rebeldia. Os whips representando a disciplina e os crusaders (o trio de alunos Mick, Johnny e Wallace, posteriormente Bobby Philips e a Moça) representando a rebeldia. O início do filme, bastante clássico, com um provérbio bíblico e com um canto gregoriano situa o espectador na aura da Academia. O fim é o exato oposto disso, a cena da batalha entre os guerrilheiros e os defensores do colégio representa nada mais nada menos que a própria destruição da Academia e de tudo que ela representa.
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belo texto para um puta filme....primeira vez que visito teu blog...gostei da escrita
ResponderExcluirobrigado
ResponderExcluirCrítica excelente. Pude compreender melhor o contexto do filme e suas inspirações
ResponderExcluirExcelente. Atual. Precisamos da Resistência. "De uma bala, na hora ncerta."
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