domingo, 18 de abril de 2010

"Narciso Negro" por Luciano Monteiro


Quantos irmãos cineastas vimos surgir na história da sétima arte? Coen, Wachowski, Farrelly, Taviani. A lista não é tão longa, mas existe uma dupla de realizadores que, se não são irmãos de sangue, ao menos o parentesco existencial e cinematográfico os tornariam irmãos: Michael Powell e Emeric Pressburber. Juntos realizaram uma cinematografia intensa e fundamental para a história do cinema britânico e porque não dizer mundial. Filmes como "Sapatinhos Vermelhos", "Sei onde fica o paraíso" listam dentre os clássicos da dupla que dividia os roteiros – Pressburger escrevia os argumentos, mas como era húngaro, não dominava bem a língua inglesa, Powell, então, escrevia os diálogos. Entretanto, na fase de realização, a produção ficava a cargo de Pressburger, enquanto Powell assinava a direção. Tal particularidade deixava uma evidente marca impressa em seus filmes, especialmente no clássico Narciso Negro, feito em 1947. O filme narra a missão homérica de cinco freiras de evangelizar e disseminar a cultura britânica no Himalaia. O feitiço se vira contra o próprio feiticeiro e as irmãs da congregação vão, os poucos, sendo devoradas pelo ambiente e pela cultura local. O cenário hostil, os nativos com sua ingênua sexualidade, a distância do lar, a solidão e até mesmo o vento que nunca cessa. Tudo atormenta as pobres freirinhas, que se revelam, diante de toda essa pressão, não serem tão bondosas assim.

Powell faz um belo e assustador retrato da colonização no seu sentido mais antropológico, filosófico e inverso. Aqui a vítima não é apenas o colonizado. O colonizador, longe de casa e dos seus, também se torna vítima. O filme levanta o debate sobre a imigração e a as relações entre a cultura britânica em sua empáfia ante uma cultura dita inferior, um tema hoje tão em voga no cinema britânico de Frears e Loach. Feito em techinicolor e todo filmado em estúdio, Narciso Negro antevê toda uma abordagem cinematográfica e porque não dizer cultural dos hoje chamados países emergentes. A originalidade que torna o filme único é o fato de ser um filme feito pelos próprios colonizadores.

O elenco inspirado e a direção precisa de Powell servem de suporte para uma estrutura narrativa bem delineada, bem construída, que consegue tornar a experiência de viver no Himalaia um verdadeiro suplício. Não apenas as freiras sofrem. O espectador sofre junto com elas, e cada plano, a cada imagem de miséria e misticismo nós nos tornamos cúmplices da loucura dogmática das freiras versus o estranhamento e o medo do desconhecido dos nativos.

Apesar de retratar as freiras de forma caricata, como velhinhas más e mal amadas tal problema não chega a atrapalhar o filme como um todo, especialmente se o colocarmos dentro do contexto em que fora realizado. No sentido metafórico elas representam aquilo que é de mais representatividade da cultura ocidental européia: o cristianismo.

Uma obra poderosa, atemporal e com méritos suficientes para ser considerada uma das grandes obras primas do cinema inglês e porque não dizer, do cinema mundial.

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