domingo, 18 de abril de 2010

"If..." por Thiago Rocha


If...., filme de Lindsay Anderson de 1968, assim como muitos filmes dessa geração, traz muitas marcas de seu tempo. Fazer filmes independentemente das deficiências técnicas e financeiras e uma atmosfera contra cultural. Mas ao mesmo tempo, há algo em If.... que o deixa bem moderno, atemporal, o que não acontece com muitas obras que trabalham as mesmas influências da época.

No mesmo ano que o filme foi realizado, aconteceram as revoltas de 68. Não é estranho pensar que o filme carregue um pouco do clima gerado pelos debates políticos. O teor contra cultural do filme nasce daí. Uma revolta contra a instituição da academia. A última cena é até emblemática: os alunos rebeldes sobem no telhado da igreja e atiram contra professores, pais e outros alunos. Impossível não lembrar imediatamente de outra situação: a dos estudantes que entram com metralhadoras nas escolas americanas, atirando em qualquer um que passe na frente.

Isso já virou documentário e ficção em cinema com, respectivamente, Tiros Em Columbine e Elefante. Mas é claro que isso é só visualmente parecido. No fundo são coisas bem diferentes. E é o posicionamento político que os diferencia. Nos filmes estadunidenses a situação não é politizada. Ela está mais para o existencialismo. Em If...., a rebelião nasce de um clima de estranha aceitação na relação de obediência e respeito criada entre comandados e comandantes, que depois se transforma em indiferença e mais tarde, em revolta. A direção de arte já nos deixa preparados para essa virada, pois as fotos na parede que o personagem Mick Travis, interpretado por Malcolm McLaren, coleciona em seu quarto estão carregadas de teor revolucionário e de contestação, como o quadro O Grito de Munch, fotos de Che Guevara, fotos de pessoas armadas em guerrilhas. No entanto, Anderson faz com que o filme não sirva à um alinhamento político e que não tenha o peso de pensadores em vigência como Karl Marx, por exemplo. Isso já o diferencia de outros diretores da época. Pode-se dizer que ele até tenha certo niilismo, já que o personagem do Mick Travis não tem exatamente um objetivo político, uma meta. Ela busca, na verdade afirmar mais uma individualidade do que uma identidade ou um projeto político.

Os cinemas novos, inclusive o inglês, retomaram a lição do neorrealismo italiano e da nouvelle vague francesa em trabalhar independentemente de condições adversas. Em If.... fica claro essa questão no que diz respeito às escolhas das imagens. As imagens do filme misturam o colorido e o preto e branco sem que isso repercuta necessariamente à narrativa. Quer dizer, as imagens sem cores não significam flashbacks ou imaginações, por exemplo. A lenda é que o dinheiro acabou no meio das filmagens e eles só podiam continuar a rodar em P/B. Mas Anderson poderia muito bem ter descolorido o material já filmado em cores para dar uma unidade para o filme. Aqui ele se coloca à frente de outros cineastas novamente. Ele se vale de uma estilística cinema novista para avançar a uma opção estética.

Importante lembrar que há algumas semelhanças entre esse filme e Zero Em Comportamento de Jean Vigo, principalmente por se passar dentro de uma escola onde os alunos irão rebelar-se contra a instituição e também pelo teor surrealista de algumas imagens. Em If.... há uma espécie de reedição do surrealismo que Vigo trabalha em seu filme. Vemos personagens que aparecem do nada e sem explicações, as cenas finais são de um absurdo incrível, quando eles encontram armas na escola, encenam uma guerra onde o aluno mais comportado até então ensina como se deve gritar contra os inimigos e mostra os dentes podres, colocam um jacaré empalhado numa fogueira, uma velhinha munida com uma escopeta atira loucamente nos insurgentes no telhado e em especial, a antológica cena que os três rebeldes vão se desculpar por ter atirado no padre e ele é tirado de dentro de uma gaveta num móvel dentro de uma igreja.

O filme de Vigo causou polêmica quando lançado em 1933 e ficou proibido durante mais de dez anos na França. Curiosamente, o maior reconhecimento da obra de Anderson se deu na França, onde ganhou o Grand Prix, em Cannes. Se em Vigo a contraposição às regras foi visto como uma afronta, em Anderson foi visto como urgência. O tempo reavaliou e validou o tema. E os dois filmes ainda seguem relevantes em suas propostas.

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