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sábado, 3 de julho de 2010

Drama e comédia em Mike Leigh, por Thiago Rocha Ferreira




Um grande diretor autoral é reconhecido pelos seus espectadores como alguém que produz filmes na mesma linha, sobre o mesmo tema. No caso de Mike Leigh, há um certo pessimismo que ronda seus filmes, mas que é trabalhado de maneiras diferentes como Naked de 1993 e Simplesmente Feliz de 2008.

Esses filmes trazem um caso curioso de um personagem que aparece mais jovem num filme e reaparece mais velho em outro. É o caso de Johnny (David Thewlis) que faz uma vagabundo solitário e perturbado e que fala constantemente em fim do mundo e em 666, o numero da besta. Esse mesmo discurso reaparece com Scott (Eddie Marsan), um excêntrico instrutor de auto-escola cheio de neuroses. A real diferença entre os dois está na abordagem dos respectivos filmes.

No primeiro, o tom é sombrio: a coloração do filme é azul, as ruas de Londres são sujas, repletas de personagens de rua, usam-se roupas pretas. Situações de violência, principalmente sexual, são exploradas de forma crua, às vezes com o recurso da câmera na mão. Em meio a isso surge uma amizade entre Johnny e um porteiro de um edifício. Conversando, descobre-se que são pessoas com visão de mundo e vidas bem diferentes. O porteiro adota uma posição mais conservadora, aceita seu destino. Johnny prefere uma atitude mais cínica e niilista. A frieza da sua conversa sobre a proximidade do fim do mundo soa não só dramática como apocalíptica. No outro, tudo muda. Aqui ele se vale de uma espécie de humor sarcástico tipicamente inglês, tratando do amargo com tons mais adocicados. Podemos ver essa abordagem em outros filmes britânicos como Um Gosto de Mel (1961) de Tony Richardson. As cores são vivas, o sol é constante, o clima é alegre, divertido. Mas esse mundo reflete o ponto de vista da personagem principal do filme, Poppy (Sally Hawkins), a forma com ela vê as coisas. Scott, contratado pela protagonista para aprender a dirigir, aparece como o seu maior contraponto. Mas um contraponto que de tão mal humorado e nuvioso, soa bem engraçado. Já Poppy, de tão simpática e alegre que chega a ser irritante.

São quinze anos que separam os dois filmes, mas se Leigh insiste nessa personagem é porque é realmente significante para ele. Mas o que fica é a admirável capacidade de velar o discurso, transitando em diferentes estilos.

sábado, 29 de maio de 2010

"Cineastas europeus na Swinging London" por Thiago Rocha Ferreira




Acho curioso que justamente quando o cinema inglês começa a tomar força, embebido dos ares de renovação cinematográfica trazido pela nouvelle vague, com vários novos cineastas trazendo algo de novo, de diferente ao cinema britânico, que outros cineastas, já consagrados no mundo filmam na Inglaterra. François Truffaut, Michelangelo Antonioni, Jean-Luc Godard, Roman Polanski são alguns dos exemplos.

Além disso, a Inglaterra já tinha sido acusada, pelo próprio Truffaut inclusive, de não ser um pais onde a cinematografia fosse forte ou até relevante, pois as maiores figuras inglesas do cinema Charles Chaplin e Alfred Hitchcock migraram para os Estados Unidos. Mas é preciso lembrar que havia um esvaziamento de Hollywood por causa dos altos custos de produção e aí eles procuraram filmar em países europeus. A Itália também foi um desses países. os americanos Joseph Losey e Stanley Kubrick filmarão em Londres nessa mesma época. Quer dizer, havia um favorecimento à produção cinematográfica, com bons recursos e o barateamento dos custos.

Também é preciso ressaltar o contexto que esses cineastas foram filmar em Londres. Era a época de um fervor cultural chamada de Swinging London. Era a hora de mostrar ao mundo o quanto a Inglaterra tinha superado a segunda guerra, o quanto que ela havia se atualizado. Era preciso voltar a ser o centro do mundo. Esse momento foi muito ligado à moda, à música pop, à contracultura. Visto assim, seria contraditório apostar no novo cinema inglês da época que se interessava mais em retratar a classe operária, quer dizer, tinham uma atenção aos problemas sociais nas abordagens deles. Provavelmente, isso não interessaria aos produtores que desejassem passar a idéia de um Londres moderna, descolada, arrojada, onde imperava o otimismo. Além de que, aqueles cineastas do continente agregariam valor ao produto.

É nesse ambiente que Antonioni filmará Blow Up, para ficar só em um exemplo. Tratava-se de um cineasta de fama incontestável, que acabara de filmar uma trilogia muito elogiada e respeitada. Tudo está lá: roupas, moda, bandas, cultura do egocentrismo, atores celebridade, uma trama enigmática, nova, diferente, em suma: moderna. A imagem de uma Inglaterra dinâmica, atual, referencial persiste até hoje.

domingo, 18 de abril de 2010

"If..." por Thiago Rocha


If...., filme de Lindsay Anderson de 1968, assim como muitos filmes dessa geração, traz muitas marcas de seu tempo. Fazer filmes independentemente das deficiências técnicas e financeiras e uma atmosfera contra cultural. Mas ao mesmo tempo, há algo em If.... que o deixa bem moderno, atemporal, o que não acontece com muitas obras que trabalham as mesmas influências da época.

No mesmo ano que o filme foi realizado, aconteceram as revoltas de 68. Não é estranho pensar que o filme carregue um pouco do clima gerado pelos debates políticos. O teor contra cultural do filme nasce daí. Uma revolta contra a instituição da academia. A última cena é até emblemática: os alunos rebeldes sobem no telhado da igreja e atiram contra professores, pais e outros alunos. Impossível não lembrar imediatamente de outra situação: a dos estudantes que entram com metralhadoras nas escolas americanas, atirando em qualquer um que passe na frente.

Isso já virou documentário e ficção em cinema com, respectivamente, Tiros Em Columbine e Elefante. Mas é claro que isso é só visualmente parecido. No fundo são coisas bem diferentes. E é o posicionamento político que os diferencia. Nos filmes estadunidenses a situação não é politizada. Ela está mais para o existencialismo. Em If...., a rebelião nasce de um clima de estranha aceitação na relação de obediência e respeito criada entre comandados e comandantes, que depois se transforma em indiferença e mais tarde, em revolta. A direção de arte já nos deixa preparados para essa virada, pois as fotos na parede que o personagem Mick Travis, interpretado por Malcolm McLaren, coleciona em seu quarto estão carregadas de teor revolucionário e de contestação, como o quadro O Grito de Munch, fotos de Che Guevara, fotos de pessoas armadas em guerrilhas. No entanto, Anderson faz com que o filme não sirva à um alinhamento político e que não tenha o peso de pensadores em vigência como Karl Marx, por exemplo. Isso já o diferencia de outros diretores da época. Pode-se dizer que ele até tenha certo niilismo, já que o personagem do Mick Travis não tem exatamente um objetivo político, uma meta. Ela busca, na verdade afirmar mais uma individualidade do que uma identidade ou um projeto político.

Os cinemas novos, inclusive o inglês, retomaram a lição do neorrealismo italiano e da nouvelle vague francesa em trabalhar independentemente de condições adversas. Em If.... fica claro essa questão no que diz respeito às escolhas das imagens. As imagens do filme misturam o colorido e o preto e branco sem que isso repercuta necessariamente à narrativa. Quer dizer, as imagens sem cores não significam flashbacks ou imaginações, por exemplo. A lenda é que o dinheiro acabou no meio das filmagens e eles só podiam continuar a rodar em P/B. Mas Anderson poderia muito bem ter descolorido o material já filmado em cores para dar uma unidade para o filme. Aqui ele se coloca à frente de outros cineastas novamente. Ele se vale de uma estilística cinema novista para avançar a uma opção estética.

Importante lembrar que há algumas semelhanças entre esse filme e Zero Em Comportamento de Jean Vigo, principalmente por se passar dentro de uma escola onde os alunos irão rebelar-se contra a instituição e também pelo teor surrealista de algumas imagens. Em If.... há uma espécie de reedição do surrealismo que Vigo trabalha em seu filme. Vemos personagens que aparecem do nada e sem explicações, as cenas finais são de um absurdo incrível, quando eles encontram armas na escola, encenam uma guerra onde o aluno mais comportado até então ensina como se deve gritar contra os inimigos e mostra os dentes podres, colocam um jacaré empalhado numa fogueira, uma velhinha munida com uma escopeta atira loucamente nos insurgentes no telhado e em especial, a antológica cena que os três rebeldes vão se desculpar por ter atirado no padre e ele é tirado de dentro de uma gaveta num móvel dentro de uma igreja.

O filme de Vigo causou polêmica quando lançado em 1933 e ficou proibido durante mais de dez anos na França. Curiosamente, o maior reconhecimento da obra de Anderson se deu na França, onde ganhou o Grand Prix, em Cannes. Se em Vigo a contraposição às regras foi visto como uma afronta, em Anderson foi visto como urgência. O tempo reavaliou e validou o tema. E os dois filmes ainda seguem relevantes em suas propostas.