segunda-feira, 19 de abril de 2010
"Os 39 Degraus" por Marina Paula
Da fase inglesa de Hitchcock, pode-se dizer, comparando com o vasto número de títulos que viria a seguir, que fora um período de aprimoramentos e experimentações. É quando lhe é oferecida a oportunidade de dirigir o seu primeiro filme, após ter ocupado diferentes cargos em produções anteriores, que o cineasta começa a estudar e desenvolver os seus temas e linguagem, que seriam apresentados primeiramente com alguma solidez em O Inquilino e passariam a reverberar ao longo de toda a sua carreira. Os 39 Degraus é um bom exemplo de como fora se consolidando o “Hitchcock picture”.
O enredo apresenta Richard Hannay (Robert Donat), um canadense que escolhe Londres como destino de suas férias. Certa noite, após um tumulto, ele esbarra com a aparentemente frágil e misteriosa Annabella Smith (Lucie Mannheim) que lhe pede abrigo por uma noite. Os segredos carregados por ela para o apartamento acarretam em seu inesperado assassinato, fazendo de Hannay o principal suspeito do crime. Vendo-se obrigado a fugir, o protagonista segue as pistas dadas por Annabella e sai do país, à procura da verdadeira identidade dos assassinos - única forma de provar a sua inocência.
A primeira característica hitchcockiana facilmente reconhecível é a transferência da culpa. Em Os 39 Degraus, toda a ação provém do forte desejo de Richard Hannay em provar sua inocência. Para dinamizar essa busca (diferenciando, por exemplo, de filmes como O Homem Errado, onde a procura pela comprovação da inocência do protagonista apresenta-se de forma mais verossímil), Hitchcock passa a fazer uso de um recurso que serve como um pretexto para o desenrolar da trama – trata-se do MacGuffin. Para o diretor, não lhe interessava, como narrador, qual seria o objeto tão intensamente almejado pelos personagens, importava-lhe somente os rumos e reviravoltas que tal objeto lhe permitiria dar a história. No filme em questão, este elemento é representado pelos 39 Degraus, que, mesmo não aparecendo ou sendo revelado na maior parte do filme, acaba sendo responsável por uma morte, uma falsa acusação, uma viagem de aventuras, perseguições e ainda o que parece ser o início de um relacionamento amoroso. É exatamente essa possibilidade de fazer girar toda uma história ao redor de um objeto vazio e, muitas vezes, inexistente (plasticamente), que vai fazer com que o MacGuffin se torne um dos artifícios preferidos do mestre do suspense.
Talvez por sua formação oriunda do cinema mudo, Hitchcock acreditasse num cinema “puramente visual”, onde os elementos cinematográficos (e não somente literários) se encarregariam de contar a história. Não se conformava que seus filmes se resumissem a meras filmagens de peças teatrais, como muito se fazia na época. Nesse aspecto, a recente visita aos estúdios alemães da UFA parece pontuar os filmes do início de sua carreira. Os 39 Degraus não é exceção. Todo o filme está envolto por uma estética próxima ao expressionismo, valorizando contrastes, profundidade de campo e também assumindo ângulos de câmera bem próprios daquele cinema (como planos em que algumas janelas podem ganhar formas muito distorcidas). Apesar de quaisquer semelhanças com cinematografias anteriores, é inegável a presença de uma mente criativa e cuidadosa por trás das câmeras. É perceptível a utilização de planos mais ousados, que talvez tenham servido de ensaio para imagens monumentais da filmografia do cineasta, presentes em filmes como Psicose, Os Pássaros e Janela Indiscreta, para citar o essencial.
A importância de Os 39 Degraus se dá não somente por sua qualidade, mas também pelo que ele, junto a outros filmes relevantes da fase inglesa do diretor, anuncia. De acordo com o próprio, enquanto trabalhava em solo inglês, seus filmes poderiam ser divididos em dois períodos: a fase muda se chamaria “A Sensação do Cinema”, onde procurara evoluir suas técnicas, enquanto a segunda parte receberia o título de “A Formação das Idéias”. Situado nesta última fase, Os 39 Degraus, eleito pelo BFI entre os dez maiores filmes britânicos de todos os tempos, é uma das produções inglesas responsáveis por oferecer ao “jovem com cabeça de mestre” um passaporte para os grandes estúdios de Hollywood, onde se firmaria como um dos maiores realizadores da história do cinema – título que, apesar de situado geograficamente em terras estranhas, certamente poderia ter sido alcançado em qualquer lugar.
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Gostei desse texto. Muito equilibrado entre informação e opinião.
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