Mostrando postagens com marcador rayssa. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador rayssa. Mostrar todas as postagens

domingo, 19 de setembro de 2010

"Le Monde Vivant", por Rayssa Costa





Nascido em Nova York (EUA), Eugène Green se considera um francês típico, talvez por isso a mudança da fonética de seu nome. Mudou-se para a Europa e lá estudou letras, línguas, história e história das artes; fundou a companhia de teatro barroco Teatro da Sabedoria. Tem uma filmografia pequena, composta por curtas e longas metragens premiados. Suas direções mais conhecidas são seus longas: “Toutes les Nuits” (2001), “Le Monde Vivant” (2003), “Le Pont des Arts” (2004) e “La Religieuse Portugaise” (2009).

Em "O Mundo Vivente", Green traz ao espectador a narrativa do Cavaleiro de Leão que vai a um castelo salvar a donzela da torre do domínio de um Ogro. Nesse caminho, o destemido Cavaleiro encontra um rapaz que o acaba por ajudar nessa luta. A procura do Ogro, o guerreiro e seu “leão” chegam à casa do monstro e encontram então a mulher do bichano. As histórias começam a se entrelaçar e até um pouco a se confundir, mas isso só aumenta meu gosto pelo filme.

O cineasta francês mostrou nessa produção um estilo peculiar: assistimos a um faz de conta cinematográfico. A partir de um registro extraordinariamente fantástico, o filme adquire significados que ultrapassam o tom da fábula. Lembrei de muitas histórias e contos marcadamente infantis, mas fui capaz de expandi-los e acreditar, por exemplo, que quando um coelho é mostrado e dito um elefante, de fato é esse outro animal e isso não é, em nenhum momento, rebebido como trash ou inconsciente. Green se liberta da normativa e transforma os códigos a partir de um conceito próprio. Um cachorro faz o papel de um leão. Ele faz o público enxergar novas formas de percepção no que já é tido como formalizado nas amarras da idéia sã.

O filme é todo trabalhado a partir da ideia do poder do texto. A encenação aqui não foi sensorial, ela se libertou da figuração clássica instalada no cinema. Não é preciso sorrir para se dizer feliz ou chorar quando se está triste. A enunciação é mais um ponto extremamente forte deste filme. Palavras, palavras e palavras, os atores usaram delas para nos tocarem e nos imergirem por completo nas cenas que estão sendo vistas. O cinema de Green além de permitir a fantasia do espectador, também permite a imaginação do próprio cinema como artifício.

O diretor apresenta o inesperado em vários segmentos do filme. O figurino dos atores é paradoxalmente oposto e mesmo assim é aceitado como existente para o público. Enquanto as mulheres vestem-se com longos vestidos ou pequenos adereços mais próximos do que se espera dos contos de fata medievais, os homens usam simplesmente jeans, camisas de botão e sapatos contemporâneos. Enquanto no cenário existiu uma pesquisa técnica e muito cuidado no local onde o filme seria gravado, os artefatos usados pelos personagens, a exemplo das espadas, parecem de brinquedo.

Green, ao mesmo tempo em que quis sair do classicismo rigorosamente formal que uma produção cinematográfica impunha ao filme, preocupou-se também com detalhes marcantes de cena – a fita no cabelo da mulher do Ogro. Estamos no domínio do tempo, ou mais precisamente de uma estranha atemporalidade. É um filme que tem marcas de uma época, mas que não se resume nem se restringe a ela.

"O Mundo Vivente" é um filme incrível e verossímil, e a partir desse paradoxo hipnotiza o espectador. Existem entrelinhas em que Green trouxe à tela algumas ironias ou frases e nomes que talvez merecessem um prévio conhecimento, porém isso não transforma o filme em pílula para um “cabeça” cinematográfico. O filme de Eugène Green é história para se ver e se transmitir, é algo que nós faz acreditar que a imaginação é o mais importante artifício para a criação e para o sensorial, “No mundo vivente, o sopro do espírito é o sopro do corpo”