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sábado, 14 de fevereiro de 2015

"Os verdes anos", por João Vitor Carvalho Silva


Considerado um ponto histórico na cinematografia portuguesa, sendo um dos primeiros filmes do Novo Cinema português, Os Verdes Anos (Paulo Rocha, 1964) marca por trazer uma renovação tanto estética como temática, trazendo um olhar mais cru de Lisboa e dos seus modos de vida.

No inicio somos logo apresentados pelo tio do protagonista à realidade de Lisboa, alertando sobre os perigos de se andar depressa demais, recomendando a cautela para evitar ser engolido pela cidade, como tantos outros. Não é uma fala meramente introdutória, mas sim algo que faz referencia a Júlio, o protagonista, e a situação de jovem provinciano que vem tentar a vida na cidade.

A história do filme então é basicamente a tentativa de Júlio em conviver com a sua nova realidade, abandonando a sua inocente mentalidade de província para sobreviver no mundo adulto da metrópole, ao mesmo tempo em que se envolve romanticamente com Ilda, uma jovem empregada doméstica. Porém, as adversidades se mostram mais fortes do que Júlio, tornando-o uma daquelas pessoas derrotadas pela cidade de Lisboa, o que acaba resultando em um final trágico.

É importante a forma como se dá relação do protagonista com Lisboa. A cidade se mostra viva, com o seu povo trabalhando, dançando ou bebendo em bares, tudo isso ao redor de Júlio e do seu drama intimo. Está sempre ocorrendo um pequeno choque entre o personagem e o ambiente em que ele está situado. Seja a porta que não se abre ou a falta de habilidade na dança que se descobre em um clube até a confrontação acontecendo no ultimo momento do filme. É a oposição entre o individuo e a metrópole.

Mas o interessante em Os Verdes Anos é que mesmo marcado por um clima de fatalidade, com o seu argumento baseado em um crime noticiado pelo jornal, não é dado ao espectador uma experiência melodramática.  Pelo contrario, o que se torna mais perceptível no filme é a pureza das personagens, com a mocidade de Ilda e Júlio ocupando muito mais espaço do que a infelicidade que está presente na história.


Fica clara a busca de Paulo Rocha por um caminho mais singelo para construir um drama sobre a confusão mental de um individuo. A busca pelo simples é tanta que o momento do ápice dramático é dado ao espectador somente através de um delicado suspiro, com a nossa visão bloqueada por uma janela opaca. É nesse desvio na forma de narrar o drama que o filme de Paulo Rocha rompe com o cinema clássico português, abrindo as portas para tantos outros nomes do novo cinema de Portugal.

Solidão e relações pessoais na modernidade, por Júlia Meireles

         
   Em seu quarto longa, ' O Mundo',  Jia Zhang-Ke retrata e insere o espectador na atmosfera da contemporaniedade, explorando as relações pessoais, culturais e o paradoxo entre distanciamento e proximidade.
            O filme mostra um parque temático nos arredores de Pequim, que busca, através de miniaturas e réplicas, oferecer a quem visita os principais monumentos do mundo com o slogan de 'O mundo em um dia'. É nesse ambiente que se entra em contato com diversas relações pessoais dos funcionários, entre elas a da dançarina Zhao Tao com seu namorado Taicheng e outras pessoas. Tais interações retratam problemas estendíveis e existentes, principalmente, nas metrópoles mundiais.
            O Big Ben encontra-se a passos da Torre Eiffel, assim como o Taj Mahal e o Arco do Triunfo. Réplicas reduzidas criam a possibilidade de visitar monumentos originalmente distantes com facilidade. Tal fato associa-se com as relações estabelecidas entre os funcionários do local, que estão proximos fisicamente, mas criam um distanciamento pessoal; se utilizam de meios de comunicação para estabelecer um contato que poderia ser presente, estão rodeados de outras pessoas, mas continuam solitários. É essa solidão que estimula ao mesmo tempo, um certo desejo de alguns personagens de criar uma relação afetiva com outros. Tao, por exemplo, conhece uma russa de nome Anna, que apesar de não entende-la pelas diferenças linguísticas, estabelece uma relação de quase amizade e cumplicidade, ainda que de forma pontual no filme. Os funcionários ao mesmo tempo que criam uma barreira em relação ao mundo, sentem uma vontade, ainda que não possa ser concretizada, de destrui-la.
            Não só trazendo contradições comunicativas, 'O Mundo' cria a ideia de uma 'prisão' contemporânea, onde a diversão insere-se como arma aprisionadora dos que lá trabalham. Ao mesmo tempo que estão no mundo inteiro condensado, pouco exploraram a realidade externa ao trabalho.
            Com ampla movimentação de câmera, Jia faz da imagem fluida e melancólica, expondo de maneira contemplativa, ainda que inquietante, o parque e a sua diferente influência  nas pessoas. Retrata a Torre de Pisa com turistas tirando foto, ao mesmo tempo que viaja no tempo com a cena de uma funcionária andando a cavalo pela London Bridge.

            'O Mundo' nos faz questionar até que ponto a modernidade e a tecnologia influenciam as relações humanas, assim como a globalização, contraditória, cria um isolamento pessoal que as vezes parece ser involuntário. 

domingo, 10 de agosto de 2014

"Cosmopolis", por Carissa Vieira


Cosmópolis, filme dirigido pelo cineasta canadense David Cronenberg e adaptado de um romance homônimo de Don Delillo, conta a história de um jovem bilionário chamado Eric Packer. Querendo fazer um corte de cabelo ele atravessa a cidade inteira para ter seu desejo atendido. Enquanto viaja por Manhattan faz uma aposta errada e acaba perdendo todo o seu dinheiro. Vendo sua ruína financeira ele acaba fazendo uma jornada de transformação pessoal, mas não necessariamente uma transformação clássica de jornada do herói, onde existe um crescimento no final. A jornada de Eric é muito mais única que isso.

Sem sombra de dúvida Cosmópolis não é um filme fácil. Somos inseridos no mundo de Packer, mas sem nenhuma explicação prévia do que acontece. O filme é contado por cenas aleatórias e que não têm necessariamente uma ligação entre si, o que muitas vezes incomoda; mas quanto mais da realidade de vida do protagonistas nós vemos, mais clara fica a ligação de uma cena até a outra.

Com interpretações muito competentes, onde a frieza e artificialidade estão muito presentes, causando uma sensação de estranhamento e incômodo constante. Também fica difícil sentir empatia pelos personagens, que muitas vezes parecem ter perdido sua humanidade. Com uma encenação marcada pelos diferentes modos de filmar a limusine do personagem principal, é notável o fato desse espaço circunscrito nunca cansar os olhos do espectador.

O longa trabalha com temas bem interessantes como a morte, o futuro da sociedade, o poder do dinheiro, o uso desenfreado da tecnologia, a insatisfação em meio ao excesso, entre outros assuntos bastante pertinentes à estrutura da nossa atual sociedade. Tudo isso é exposto de maneira nada óbvia na tela. Cronenberg quer mostrar o que ele próprio deseja, incitar quem assiste ao filme a pensar em questões muito mais comuns do que acreditamos através do estranhamento que as imagens na tela causam, que suas escolhas na hora da encenação permitem.


Definitivamente é um filme que não agrada a maioria, mas que não foi feito para agradar.