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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

“Fahrenheit 451” (1966, François Truffaut), por Luiza Chimendes da Silva Neves


O filme é baseado na obra literária de mesmo nome do autor Ray Bradbury. A história se passa num futuro alternativo no qual, basicamente, ler é proibido. Por isso, os bombeiros nessa realidade são responsáveis não por apagar incêndios, mas por queimar livros e carregam em seus uniformes o número 451 o qual indica a temperatura, em Fahrenheit, que o papel queima. Um desses bombeiros, Montag, um dia ao voltar do trabalho, é abordado por uma vizinha, Clarisse, que fica responsável por questionar a queima dos livros.

Desse momento em diante, a curiosidade de Montag aumenta e ele inicia a leitura das mais diversas obras, o que o leva a questionar seu trabalho, principalmente após o “suicídio” de uma senhora que não queria viver sem os livros, seu casamento e, por fim, aquela sociedade totalitária na qual ele estava inserido.

 O comprometimento com a temática está em cada detalhe, presente no roteiro, na edição e na direção de arte do filme. Os créditos são narrados e não escritos, na cidade inteira não há placas, nomes de ruas ou de estabelecimentos, os arquivos dos indivíduos não contêm nada mais do que fotos e símbolos, os jornais contêm apenas figuras, até mesmo a explicação no quadro negro não apresenta palavras ou letras de qualquer tipo. É constrangedoramente difícil acreditar que uma sociedade seria capaz de se articular sem a escrita. É quase contraditório, pois apesar da ausência de letras, o mesmo não se pode dizer do letramento dos cidadãos. Todos são bem alfabetizados e capazes de engajar na leitura facilmente, a exemplo da cena em que Montag ler seu primeiro livro.

 Outra característica sempre presente na narrativa de Fahrenheit 451 é o controle exercido por esse Estado totalitário sobre os cidadãos, que são manipulados a acreditar que todos fazem parte de uma grande família. A grande maioria das casas tem antenas para televisão, o que é ressaltado nos “créditos” do filme e no decorrer dele. Na TV, principal responsável pela alienação, há sempre uma figura constante determinando o que se deve vestir ou como se comportar e que a lei está certa. Há também diversas pílulas responsáveis por controlar as emoções dos indivíduos.

Obviamente não poderia faltar, o controle das mídias que, após a fuga de Montag, apresentam uma perseguição seguida de morte forjada, buscando passar uma falsa sensação de conforto para a população e uma falsa aparência de herói para o Estado. Em seu final, quando Montag encontra-se com as “pessoas livros” há uma mudança quase que total fluir do filme, tornando-se mais leve e menos mecânico como era na cidade. A cena final, em que os atores circulam pela floresta recitando seus livros, suas identidades, é praticamente uma celebração à leitura.

 Além disso, Fahrenheit 451 é carregado de críticas à sociedade, como no que se trata do abandono a leitura e a devoção à televisão, e aborda também questionamentos políticos e sociais ainda muito atuais.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Fahrenheit 451, por Kátia Martins



Em um futuro indeterminado, num Estado totalitário, os "bombeiros" têm como função principal queimar qualquer tipo de material impresso, pois para esta sociedade a literatura levaria à infelicidade. Mas Montag (Oskar Werner) começa a questionar tal raciocínio quando conhece uma mulher que o incentiva a ler os livros antes de queimá-los.

Este é o enredo de Fahrenheit 451 (1966 – François Truffaut); o título se refere à temperatura em que os livros são queimados. E para quem assiste a este filme sem informações prévias sobre ele, é bastante surpreendente ver já na sua seqüência inicial, os bombeiros entrando em ação não para apagar algum incêndio, mas sim para provocar um fogo em alguns livros apreendidos. O protagonista do filme e um dos bombeiros, Montag (Orkar Werner), fazia seu trabalho sem nenhum questionamento, até conhecer Clarisse (Julie Christie), uma professora de primário, que faz perguntas sobre sua profissão e o faz refletir sobre ela, apresentando-lhe também a possibilidade de ler escondido os livros com os quais entra em contato através do seu serviço. A partir disso, Montag fica curioso para saber o conteúdo dos livros e passa a roubá-los das casas em que vai apreender os livros.

Fahrenheit 451, na verdade, é uma crítica contundente sobre o totalitarismo, a ausência de prazer e liberdade intelectual e a alienação das pessoas pela sociedade, alienação exercida especialmente através de meios de comunicação como a televisão. Isso fica bem claro no filme através da direção de arte, que dá bastante atenção aos objetos da casa de Montag, que tem uma presença massiva de aparelhos de TV por toda a parte, além de uma enorme TV na sala principal, muito parecida com as televisões existentes hoje em dia (bem grande e pregada na parede); ou no “jornal” que Montag apanha na entrada da casa, cheio de imagens, sem palavra alguma. A direção de arte do filme, aliás, tem um cuidado especial, já que o filme é futurista, tentando projetar os objetos de um tempo futuro, como no caso da TV. Mas como não poderia deixar de ser, esses objetos são datados, como, por exemplo, o aparelho de barbear mais recente que Montag ganha de sua esposa, Linda e o formato de alguns aparelhos, como o telefone. O figurino é outro aspecto do filme que é datado, e apesar de se pretender uma projeção para o futuro, às vezes cai no velho clichê das roupas prateadas ou brilhosas dos filmes futuristas. Afinal de contas, os filmes são documentos do período de sua produção, e qualquer representação do passado ou do futuro existente em um filme está intimamente relacionada com o período em que este foi produzido.

Mas para além dessa datação, este filme, em se tratando de uma crítica a uma sociedade dominada pelo poder das imagens, paralelamente traz questionamentos políticos e ideológicos ainda bastante atuais.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

“Fahrenheit 451”, por Mariana Fidelis



“Fahrenheit 451” é um filme de François Truffaut, lançado em 1966, adaptação do livro homônimo de Ray Bradbury de 1953. Sua trama desenrola-se no futuro, num país totalitário marcado pela censura cultural em que é proibida a posse e acesso a todo e qualquer tipo de livro. Nesse contexto os bombeiros tornam-se responsáveis por cumprir essa interdição através da caça e queima das obras literárias. Nosso personagem principal, um destes bombeiros, chama-se Guy Montag (Oskar Werner), distinto inicialmente pelo trabalho dedicado, um homem calado que apenas cumpre bem suas tarefas, digno da admiração de seus superiores, prestes a receber uma promoção. Ele é casado com Linda (Julie Christie), uma mulher que passa seus dias em casa, caracterizada pela forte influência e dominação que a televisão exerce em sua vida, basicamente uma mulher alienada que reproduz os valores passados através da programação televisiva, sem questioná-los.

Os argumentos utilizados para justificar a proibição aos livros são revelados na fala do Capitão à Montag quando encontram uma das maiores bibliotecas prestes a ser incendiada: 1) os livros são histórias tristes que causam infelicidade àqueles que as lêem, e tudo isso desnecessariamente, pois são inventadas, versando sobre pessoas e situações que nunca existiram; 2) os livros trazem de certa forma desigualdade entre os homens, pois instauram um universo de vaidades e arrogância entre eles. Dessa forma os livros são perseguidos, e devem ser banidos da sociedade. A ameaça trazida pelo conteúdo literário à manutenção do sistema governamental totalitário é transferida, sem justificativa e razão, para seu material, isto é, o objeto-livro, como nos mostra a cena em que Linda ao descobrir um livro que cai do seu esconderijo joga-o para longe, num gesto de medo e nojo.

O ponto de inflexão da trama é o encontro de Montag com Clarisse (Julie Christie), jovem que instaura um espírito de indagação, reflexão, e curiosidade no bombeiro, ao perguntar se ele alguma vez já havia lido um daqueles objetos que queima. A partir daí ele passa a ler escondido os livros que furta do trabalho.

Ao entrar em contato com o universo literário, descobre algo que havia se perdido na sua vida, considerada vazia, como se os livros resgatassem sentimentos e uma noção de humanidade até então esquecidos. A partir de presenciar a cena de uma mulher que prefere morrer queimada entre seus livros, Montag depara-se com a contraposição entre a paixão e os sentimentos envolvidos no universo literário e o vazio e a frieza da normalidade e mediocridade cotidiana. Essa contraposição transparece por exemplo quando ele lê o trecho de um livro para sua mulher e amigas, acusando-as de serem zumbis (“Vocês não vivem, apenas matam o tempo!”), ou quando traz a metáfora de que “por trás de cada livro há uma pessoa”, resgatando o sentido simbólico dos livros. Quer dizer, Montag reconhece nos livros uma humanidade que não encontra nas pessoas ao seu redor.

O contato com os livros lhe rende uma mudança de comportamento não só no trabalho, mas principalmente em casa, algo que é reprovado por sua mulher, que acaba por denunciá-lo para a própria corporação para a qual trabalha. Tendo sido descoberto por seus colegas de trabalho, Montag é obrigado a queimar seus livros em sua própria casa, salvando apenas um dentro da roupa, e acaba por assassinar seu chefe, o capitão da corporação, também queimado. Dessa forma ele torna-se um foragido procurado pela polícia, mas consegue fugir graças à referência dada pela sua amiga a jovem Clarisse de um grupo de pessoas admiradoras da literatura que moram nas florestas, fora das garras do estado.

Incomoda-me um pouco no filme essa mudança radical de atitude de nosso protagonista que passa de funcionário exemplar à fora da lei. Revela-me um pouco de superficialidade na construção da personalidade do personagem, que não possui muita consistência, mudando sua atitude de um lado para outro, sem um motivo aparente muito forte (a não ser pela conversa uma vez apenas com Clarisse). De forma que, se é tolerada a passagem de bombeiro exemplar à admirador da literatura de uma hora para outra, por que não seria aceitável por exemplo que sua mulher Linda o apoiasse ao invés de denunciá-lo? Isso para mim não fez muito sentido.

A questão do controle social pelo sistema de comunicação estatal através da presença e influência da televisão na vida das pessoas, tácita durante todo o filme (por exemplo no comentário da vizinha de Clarisse, que chama atenção para o fato de todas as casas possuírem antena parabólica), revela-se finalmente na manipulação de informações quanto ao paradeiro de Montag quando, após de chegar a essa comunidade na floresta, assiste a encenação de sua própria morte na televisão. Engraçado que essa manipulação e controle sociais sejam tão claramente revelados apenas para aqueles que já estão do lado de fora do sistema.

Nossa trama se desenrola, portanto, no contexto de uma sociedade totalitária que exerce seu poder de controle social institucionalmente através da polícia e dos bombeiros, e também culturalmente através do forte sistema televisivo de comunicação. Esse cenário faz parte de uma tendência literária dos anos 50 e 60, época de uma sociedade apreensiva marcada pelo totalitarismo do mundo pós-guerra, conhecida como “distopia” – ao lado por exemplo de “1984” de Orwell e “Admirável Mundo Novo” de Huxley. Essa tendência pode ser caracterizada pelo pessimismo quanto ao futuro, geralmente marcado pela presença de um estado totalitário e opressivo, baseado no controle e na manipulação social exercida pelas tecnologias sobre a vida das pessoas, e justificado no motivo de uma “ameaça constante” que deve ser combatida (seja a ameaça de outros países combatida com guerras, seja, no caso do nosso filme, na ameaça que os livros trazem para a igualdade e felicidade das pessoas).


Quanto ao formato do filme, não vejo muitas aproximações com as inovações trazidas pela Nouvelle Vague, como por exemplo a estrutura fragmentada de narração. Apesar de Truffaut ser um dos diretores mas representativos do movimento, esse filme é um pouco diferenciado dos outros talvez por ser uma ficção cientifica, ou por ter sido gravado fora da França e em inglês.

Um dos pontos que podemos destacar de proximidade em relação à outras obras da Nouvelle Vague é a questão da autorreferência, não só na dupla atuação da atriz Julie Christie, como Linda e Clarisse (o que enfatiza ainda mais a contraposição em relação a personalidade das duas mulheres), mas também pelo enquadramento dado nos livros nas cenas de incêndio, quando surge a oportunidade de fazer referencia às influências do movimento, como Sartre, os Cahiers du Cinema, ou o próprio Ray Bradbury, autor do livro que dá origem ao filme.

Do ponto de vista estético, a construção dos cenários da sociedade futurista é marcada por cores fortes, embora possamos dizer que a ficção cientifica não é o apelo mais forte do filme. A não ser pelo metrô suspenso (o que deve ter custado caro para a produção), o modelo das televisões (finas, de tela grande, pregadas na parede, com opções de interação), e pela (tosca) cena dos policiais voadores já quase no final do filme (durante a perseguição à Montag), acredito que as referências estéticas sejam muito mais atuais que futuristas, como a arquitetura das casas e as roupas das mulheres.

A afinidade com a Nouvelle Vague e que o filme tornou extremamente atual, apesar da moldura futurista, deve-se principalmente à temática. A questão da censura, da luta contra a indústria cultural e a sociedade do consumo estão presentes no filme, através do argumento de salvação da cultura humana pelos livros, sem os quais “todo o conhecimento humano desapareceria”.

É a partir daí que analisamos o desfecho da história, na relação entre cultura e memória. A literatura, e a tradição escrita em geral, surge como uma tentativa de perenizar a(s) história(s) humana(s) no tempo, porém, tendo em vista a proibição em relação aos livros, não resta outra alternativa a não ser um retorno à oralidade. Numa volta à tradição de civilizações antigas que repassavam suas historias através do falar/narrar/contar, a comunidade das “pessoas-livro” resiste pelo esforço de uma forma diferente de relação com os conteúdos da cultura, sem a mediação dos livros, mas apenas através da memória e da oralidade.

A comunidade das “pessoas-livro” isolada na floresta revela a arquitetura da sociedade totalitária e opressiva da cidade, que na interdição do acesso à cultura, do acesso aos livros, pretende o sufocamento de qualquer possibilidade de crítica e oposição ao sistema. Resta apenas a possibilidade de se localizar completamente fora dessa sociedade, viver como outsiders, que recuam e recusam o confronto direto com a autoridade. Preferem a fuga, e ficam a espera do dia em que possam reproduzir aqueles textos que memorizaram fielmente para que sejam impressos de novo. Por isso, no comentário ao filme, Truffaut destaca o caráter do elogio à astúcia que perpassa o filme:

“Não pretendi transmitir qualquer mensagem, mas apenas mostrar uma forma de luta contra a autoridade arbitrária. [...] Sou contra a violência e a intolerância porque elas significam confronto. [...] Se quero alguma coisa, o meu desejo é tão intenso que não perco tempo com discussões. [...] Para mim, quem substitui a violência é a fuga, não a fuga do essencial, mas a fuga para se obter o essencial. Creio ter ilustrado isso em ´Fahrenheit 451´. É um aspecto do filme que escapou a todo mundo e me parece importante: a apologia da astúcia. ´Ah, então os livros estão proibidos? Então, muito bem, vamos aprendê-los de cor´. É o supra-sumo da astúcia.” (Truffaut, 1966, disponível em: )

A título de opinião pessoal sobre a obra, “Fahrenheit 451” é por fim um filme que recomendo não só pelo seu caráter político, mas principalmente por seu caráter poético na representação de um amor à literatura e à cultura do livro impresso, que perde cada vez mais seu espaço para outras formas de divulgação, em especial no meio digital.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

“Fahrenheit 451”, por Bruna Belo




Uma voz em off narra os créditos de abertura, enquanto é mostrada uma sequência de imagens, em diferentes cores e ângulos, de diversas antenas de televisão o que nos remete a câmeras de vigilância. É assim que se inicia o filme Fahrenheit 451, do diretor francês François Truffaut.

Talvez por ser o seu primeiro filme em língua inglesa, ou por ter sido produzido na época em que Truffaut estava organizando o seu livro de entrevistas com Hitchcock, de quem era fã assumido, Fahrenheit tem algumas referências a este. Entre elas, a trilha sonora marcante, composta por Bernard Herrman – parceiro de Hitchcock em diversos filmes –, e as cenas de ação, nas quais Truffaut peca, não conseguindo atingir a tensão necessária. Justamente por se desviar do que ele estava acostumado a fazer, muitos críticos dizem que este é um filme menor, que não atinge o nível de genialidade do diretor.

Baseado no livro homônimo de Ray Bradbury, é ambientado em uma sociedade totalitária que proíbe qualquer tipo de leitura por considerá-la causadora de infelicidade. Os livros devem ser queimados, todos! Ironicamente, os responsáveis pela destruição destes são os bombeiros – o título vem daí, 451 é a temperatura em fahrenheit em que o papel entra em combustão.

O foco da narrativa é a transformação do bombeiro Guy Montag (Oskar Werner) de destruidor à amante dos livros. Ele tem uma vida normal – porém vazia, como todas as pessoas a sua volta –, um trabalho de destaque e um casamento estável com Linda (Julie Christie). Sua mulher é um perfeito exemplo da população desta sociedade, ela é fútil e viciada em pílulas e na televisão interativa.

Além de Linda, Julie Christie interpreta outra jovem também diretamente ligada ao protagonista, Clarisse. Enquanto a primeira é alienada e dominada pelo Estado, a segunda é consciente e intelectualmente livre. Uma é o inverso da outra. Como se fossem histórias paralelas, é mostrado os dois possíveis caminhos que uma pessoa (ou sociedade) pode percorrer, optando ou não pela cultura e liberdade intelectual. Esse duplo papel rendeu a atriz uma indicação ao BAFTA, em 1967.

A vida de Montag começa a mudar quando ele conhece Clarisse em um encontro casual no metrô. Através de alguns questionamentos, ela desperta nele a curiosidade sobre os objetos proibidos, a partir daí, ele começa a roubar e ler alguns dos livros que deveria queimar. Com as leituras, ele muda, passa a desacreditar totalmente no sistema

quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Fahrenheit 451", por Renata Monteiro


Fahrenheit 451 é a adaptação cinematográfica do romance homônimo do autor americano Ray Bradbury, e foi dirigido por François Truffaut. A obra é a primeira produção da Universal Pictures na Europa, e a única de inglesa do diretor. Londres era uma capital mundial e estava fervendo, nada melhor para um diretor como Truffaut, que estava à frente de tudo de novo que acontecia no meio do cinema e viu na Inglaterra uma oportunidade inédita de dirigir. O filme foi gravado nos estúdios Pine wood (Buckinghamshire, Inglaterra), que é o estúdio britânico mais importante, por onde já passaram filmes desde Narciso negro à saga Harry Potter. Truffaut declarou ser o seu filme mais difícil e mais triste, em sua experiência como diretor. O motivo talvez seja o seu já conhecido desentendimento com o ator principal, Oskar Werner (Montag), durante as gravações.

A narrativa nos apresenta a representação de um futuro hipotético onde a leitura de livros escritos é proibida. A sociedade desse futuro acredita que os livros deixam as pessoas infelizes. Os romances, por exemplo, trazem infelicidade para as pessoas pelas histórias trágicas dos personagens fictícios e “faz com que elas queriam viver de uma maneira quase impossível”, os livros de filosofia todos dizem as mesmas coisas e pregavam que só os filósofos estavam certos e que os outros eram idiotas, as biografias queriam satisfazer a vaidade dos seus autores, e livros como A ética de Aristóteles serviam para que seus leitores acreditassem que estariam em um pedestal acima dos outros que não o fossem. Essas idéias fazem com que a sociedade retratada acredite que a única maneira de ser feliz é sendo igual a todos.

Os livros são contrários a isso e devem ser queimados. As pessoas se tratam como “primos”, para ressaltar essa idéia de igualdade, e são todos alienados, extremante dependentes e influenciados da televisão, que parece fazer parte da sociedade. Em todas as casas há uma antena, e a televisão age de maneira interativa com as pessoas acentuando esse caráter de integração com esse meio. Mas restam pessoas que ainda lêem e mantêm livros em suas casas, para isso os bombeiros são acionados, incinerar livros é a função desses profissionais nesse futuro relatado. Montag é um bombeiro que está para receber uma promoção, Linda (Julie Christie) é sua esposa, ela é bastante influenciada pela televisão. Montag conhece Clarisse (Julie Christie em seu segundo papel na trama), e a partir desse encontro Montag muda seu comportamento, afetando no seu trabalho e na sua vida pessoal. Ele começa a questionar suas funções, e desencadeia uma paixão pelos livros que tanto havia destruído.

Esse filme retrata muito bem essa sociedade alienada e sem leitura, já nos seus créditos iniciais não há textos escritos indicando a proibição, os nomes são narrados e imagens coloridas de diversas antenas de televisão aparecem. A cor no filme é algo bastante marcante, esse é primeiro filme colorido de Truffaut, e ele utiliza muito o vermelho, exaltando esse ambiente quente e em chamas em que se desenvolve a trama. Mesmo se passando em um futuro, o filme não perde as características dos anos 60, época em que foi produzido, as cores vibrantes, os objetos e a caracterização dos personagens (roupas, cabelos e etc) se assemelham muito com as desse período. É um futuro com moldes nos anos 60, esses equívocos são recorrentes em outras obras do tipo, pois não há como fugir de suas referencias temporais. Ainda assim Fahrenheit 451 é considerado um filme marco de produções futurísticas, pela sua representação do futuro e fonte de inspiração para futuras obras do gênero. Os atores principais são polêmicos, Julie Christie e seu duplo papel, que de duplo não tem nada, pois a atriz só troca de peruca e nada em suas nuances de atuação muda, e também Oskar Werner que além de suas intrigas com o diretor do filme, permanece quase o filme todo com o mesmo olhar intrigado (e irritante por ele ter uma enorme distancia pupilar). A trilha sonora do filme é de Bernard Hermann, o compositor favorito de Hitchcock, e isso de fato se percebe, pois quando ouvimos a música é como se esperássemos a entrada de Norman Bates com um facão, ou nesse caso com um lança-chamas, na cena. A fotografia é de Nicolas Roeg, que depois vai dirigir filmes como O homem que caiu na terra e Inverno de sangue em Veneza, e consolidar o cruzamento de gênero característico em suas obras. Com essa temática futurística e com um certo apelo as questões da época em que o livro foi escrito, o autor, que é americano, põe ao mesmo tempo a questão da alienação pelo meio televisivo (típico do capitalismo) e uma representação de uma sociedade comunista onde a ordem é que todos sejam iguais e uma extrema repreensão aos que não seguem a esse ideal. Centrado na questão do futuro do livro, é uma obra que no mínimo nos faz refletir sobre possíveis sociedades futuras e seus valores, seja convertendo a função do bombeiro (do inglês fireman, homem fogo) que ao invés de apagar, coloca fogo, a metrôs aéreos. Truffaut pode ter recebido diversas críticas negativas em relação a esse filme, por não corresponder ao que o diretor pregava na Nouvelle Vague. Fahrenheit 451 pode ser inserido na definição de cinema comercial, foi encomendado e produzido com alto custo e diversos recursos, não condizia com as outras obras do movimento onde existia ruptura com os padrões vigentes e marca autoral do diretor, que foi questionada nesse filme pelo trabalho final parecer mais com de um artesão e não de um artista. Mas não se nega a importância e qualidade da obra, Martin Scorsese diz que o filme influenciou suas produções, e que ele subestima o trabalho do diretor. De fato Truffaut alcançou uma perfeita interpretação e representação do livro, o que poucos conseguem numa adaptação literária. É um filme visualmente muito bonito. E pode não causar um incêndio de sensações, mas com certeza acende uma chama.