segunda-feira, 24 de novembro de 2008

"O mundo" por Laíse Queiroz



“Veja o mundo sem sair de Beijing” nos dá a deixa inicial de O Mundo, que se passa em um parque temático e traz a história das pessoas que trabalham neste intrigante lugar, e suas relações, tanto com outras pessoas quando com o parque e com o mundo exterior. O parque possui réplicas em tamanho menor de todos os grandes monumentos de diferentes partes do mundo (tem desde a sua própria Torre Eiffel até as Torres Gêmeas, passando pela Grécia).

Logo no começo, o parque recebe estrangeiros para fazerem parte de seu elenco de apresentações, e seus passaportes são imediatamente “interceptados”, para que fiquem sob os cuidados de um responsável, indicando que os performers russos agora estariam presos “no mundo”. O filme mostra o tempo inteiro o quão as pessoas estão presas naquele lugar, e é pontuado por animações que, em geral, trazem imagens de fugas. Seja quando mostra uma menina voando, ou um homem indo embora a cavalo, identificando o forte desejo que as pessoas dali têm de ir embora.

O diretor Jia Zhang-Ke também traz o grande contraste, e encantamento da parte dos chineses, em relação às culturas estrangeiras, seja em relação aos próprios nomes seja em relação a objetos utilizados, e às tentativas de comunicação entre pessoas que não falam a mesma língua. Em uma das cenas aparecem uma chinesa e uma estrangeira tentando se comunicar enquanto lavam as roupas. E elas conseguem. Fato curioso é que essa parte não tem legendas, o que deixa o espectador na mesma situação dos personagens, tentando entender somente por gestos línguas completamente diferentes.

O Mundo mostra o tempo todo o fascínio dos chineses que trabalham no parque temático com o mundo estrangeiro. Musica pop, pôsteres de filmes ocidentais (como Titanic), e a ocidentalização da cultura. Em uma das cenas dois personagens folheam um catálogo de moda estrangeira, e uma delas, que vende itens importados, comenta que pessoas dali têm atração por coisas de fora.

“Dê-nos um dia e lhe mostraremos o mundo”. As relações refletem as principais características do parque temático: A artificiliadade e o alto nível de aprisionamento. Em um dos casais, a menina é completamente sufocada pela desconfiança do namorado, que sempre pergunta onde ela esteve, e, quando ela finalmente toma coragem e tenta terminar o namoro, ele põe fogo no próprio casaco, ainda em seu corpo. Eles acabam casando. A artificialidade nos é mostrada no relacionamento de Tao, a protagonista, com seu namorado, que tenta a todo o momento se aproveitar do sentimento dela. Em uma das cenas lês aparecem discutindo e segundos depois começam a posar para uma espécie de montagem em vídeo do parque, onde aparecem felizes e acenando.

Na relação entre irmãos e amigos mostrada em O Mundo o caráter artificial também surge em vários momentos, e fica claro que o dinheiro vem na frente de qualquer afeto. Quando Irmãzinha, um dos amigos, está quase morrendo, pede pra escrever uma carta. Os amigos e irmãos lêem o que foi escrito e começam a chorar copiosamente. Depois nos é revelado que a carta nada mais continha do que a listagem de todas as suas dívidas.

- É lindo!
- Não tanto pra mim.
- Você esteve aqui um tempo.

Esse diálogo, em que Tao elogia uma construção nos remete a situação em que ela própria se encontra com o dia-a-dia no parque: apesar de todos ali terem uma enorme admiração pelo que vem de fora, no parque, onde eles têm “o mundo”, se sentem presos e perderam a capacidade de se encantar com tudo aquilo. A grande questão do filme talvez seja essa, somada ao fato de que apesar de não satisfazerem seus encantos pelo mundo exterior com a artificialidade do parque, e sentirem-se aprisionados ali, sentem-se satisfeitos em relações tão artificiais quanto, e que as aprisionam ainda mais.

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