Jim Jamursch, referência no âmbito do cinema independente, faz de Estranhos no Paraíso (Strangers than Paradise, 1984) um apanhado de tentativas dentro do que poderia ser chamado de movimento “anti-hollywood”. Nada de grandes produções, nada de atores conhecidos, nada de sucesso de bilheteria, nada de ‘blockbuster’, nada de efeitos especiais, tampouco sonoplastia arrojada. O filme de Jamursch, antes de tudo, é uma exaltação a uma maneira despretensiosa de fazer cinema, no sentido de voltar a atenção do público para um estilo de vida americano totalmente diferente do que o cinema hollywoodiano até hoje insiste em mostrar.
Personagens estranhos em vários sentidos (peculiares, desconhecidos, deslocados) são levados a uma convivência imposta pelas circunstâncias. Um rapaz húngaro, sua prima conterrânea recém chegada e um amigo americano que o acompanha nas aventuras (e na falta delas). Os dois rapazes vêem na chegada da moça uma possível mudança no cotidiano, mas essa mudança, de fato, não chega a se concretizar. O filme é dividido em atos, no primeiro “O novo mundo”, temos a chegada da prima, que vem ao país na intenção de mudar de vida, aterrissa no tal “novo” mundo, mas continua sendo levada pela inércia da existência. Paralelamente, seu primo, um rude desocupado, acostumado à “sobrevivência” baseada nos vícios e pequenos golpes, ao lado do amigo de pouca personalidade, leva uma vida sem perspectivas, vazia e solitária. O novo mundo é uma “propaganda enganosa” e isso é comprovado ao longo de todo o filme, uma obra silenciosa que acompanha o ritmo lento e espaçado da narrativa. Jamursch retratou a inércia da vida americana não apenas na temática, como também na construção imagética, uma vez que utiliza planos longos, praticamente sem cortes, aliados a uma movimentação de câmera quase inexistente. A câmera explora os mais diversos enquadramentos, sobretudo, os planos gerais que ganham grande beleza nas cenas externas – uma tentativa talvez de dar ao público uma confirmação de que “sim, aqui é a America, olhe a paisagem...”. Uma América geograficamente identificada, reconhecida, entretanto, apenas por esse aspecto.
A construção da obra é também incomum, as cenas são entrecortadas por blackouts incessantes, um recurso utilizado exaustivamente que diminui ainda mais o andamento do filme. Os acontecimentos surgem aos poucos, a história aqui não é cheia de aventuras, como estamos acostumados a ver. Esse fato é afirmado principalmente através do preto e branco, afinal, a vida real não é tão colorida, não tem tantas cores... Na intenção de “desmascarar” o estilo de vida americano, Jim Jamursch, como se não bastasse, retirou também a cor. A opção do diretor pelo preto e branco revela até mesmo a sua intenção de trilhar um caminho diferente, não que pretendesse fazer algo inovador, longe disso, porém, para a época, a obra ficou no mínimo “distante” do cinema produzido nos EUA – mais uma razão para que Estranhos no Paraíso não esteja inserido na vasta lista dos “clássicos” dos anos oitenta, rotulados hoje de “sessão da tarde”.
A narrativa do filme ganha certo impulso no segundo ato, “Um ano depois”, tempo suficiente para que os dois homens tomem finalmente alguma atitude diante da “mesmice” de suas vidas. Resolvem então visitar a prima que havia se mudado para uma cidade fria, congelada e distante. Nesse lugar, os espaços são outros, entretanto, as pessoas são as mesmas, levam a mesma “vidinha” americana. Querendo sair da mediocridade do cotidiano, os amigos resolvem ir ao cinema, metalinguagem que coloca os personagens como meros espectadores que jamais teriam suas vidas representadas na grande tela. Eles são o público, estão sentados nas poltronas, receptores de um cinema repleto de ação e barulho, avesso ao silêncio de suas vidas. Sim, a vida americana não é “como a gente vê” no cinema...
Mais difícil que mudar os hábitos e ter uma paisagem diferente é constatar que a vida continua a mesma: “Lugar novo e tudo parece igualzinho...”. A luta contra a inércia e a monotonia é mais uma vez o que move os personagens, que decidem “quebrar o gelo” e viajar para a ensolarada Flórida, longe da neve, do lago congelado, da paisagem branca em contraste com seus casacos pretos. Chegam ao “Paraíso”, terceiro ato, uma perspectiva de esperança, um lugar totalmente diferente de todos por onde já haviam passado nesse “quase road-movie”. E, mais uma vez, mudam de ambiente, fogem do “frio”, em direção às famosas praias de Miami, porém, tudo o que vêem é o mar deserto, a solidão, e a vida continua a mesma, a vista lá fora é mais bonita, mas o vazio continua dentro de cada um.
Os rapazes perdem no jogo, a moça “ganha” dinheiro. Ela decide ir embora, deixa um bilhete, quando os outros voltam, tentam buscá-la, mas perdem-se. O paraíso também tem coisas ruins, assim como em qualquer lugar. Personagens estranhos num paraíso, distantes de uma realidade presente apenas na imaginação, fruto de uma esperança alimentada por um sonho secular... Assim, com os desencontros da vida aliados à necessidade de encontrar-se, o filme é carregado de sensibilidade, ao ponto de o espectador poder concluir: os personagens não são apenas estranhos, além de tudo, representam um povo que não é exatamente representado. Não concretizam o “american dream”, permanecem estranhos no mundo, afinal, por mais que estejam em um lugar diferente, numa cidade distante ou até mesmo no paraíso, continuam a cultivar o vazio que mora, na verdade, dentro deles.
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