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sábado, 14 de fevereiro de 2015

A paulada de Marilyn Jordan (BASEADO EM FATOS SURREAIS), por Matheus Beltrão






PÉROLAS: um macaco é questionado por uma menina se não preferia estar em seu habitat natural

Uma dona de casa desesperada e desmotivada estadunidense residente em Estocolmo, que passa os seus dias vazios brincando à pinceladas de humor negro, colocando fogo no edredom de sua cama, estragando com a beleza informal de seu quarto róseo kitsch, ou tentando envenenar o seu cão, que ela julga esperto o suficiente para não beber, é casada com um rico empresário sueco (com quem tem filhos perfeitamente inteligentes) que a menospreza, dando-lhe a estigma de paciente psiquiátrica e a preferência pela sua vida profissional, traduzida em viagens ao redor do mundo, principalmente por locais distantes “exóticos” (para a categoria eurocêntrica) como a cidade do Recife, que além de ser lembrada extensamente ao longo da película, tem vôos de conexão direta entre os dois pontos divergentes do mapa, sendo assim, o abalo inicial da descoberta de um universo social e cultural paralelo – que até há pouco, talvez, Marilyn só soubesse nos filmes que passava a vista, rapidamente, apertando o controle remoto da TV compulsivamente.

PORCOS: quem com eles anda, de farelo se lambuza

Com sua nova galera, Marilyn, vai para o Zanzi-Bar, uma espécie de cabaré, restaurante e destilaria ilegal, que parece ter saído de uma pornochanchada underground brasileira com fotografia e roteiro freak como um vibrador falocêntrico sobreposto em um tanque de guerra de pilhas, chefiado por Alex, um sérvio canastrão de meia-idade, e sua ex-exposa, Rita, e lá vive as mais loucas experiências da sua vida, como ser tida como uma cantora internacional dos EUA, ser uma garçonete no pirigão, fazer um ménage desastroso (com os donos do bar) e logo após um sexo lésbico (vitorioso), além de tomar banho espionando o belo corpo nu de Montenegro (vendedor do seu cachorro esperto, alimentador de macacos no zoo e pau para toda obra no bar) e ter o seu belo corpo espionado pelo mesmo, também.

Montenegro é uma experiência cinematográfica ultrajante super freak, que a cada quadro não seqüencial que passa, é como uma onda ilícita, que provoca, assusta e lombra o espectador, que assimila a mensagem de que o filme vivido por uma dona de casa é chato (e ela é a que mais pensa assim), graças a uma tradição matrimonial machista institucionalizada que faz da mulher um objeto do lar, que vive para ser o braço esquerdo amputado do seu marido e a eterna guia (ou seria melhor “liga”) de seus filhos. Ainda bem que Dusan vingou sua hereditariedade matriarcal, fazendo com que uma do-lar (mesmo que de classe média alta) vivesse como uma rockstar, vendo o pôr do sol ouvindo Faithfull, socorrendo viciados com facadas na testa, trepando com um homem chucro (e delicioso), dançando pela night zombie da Europa Oriental, se cansando e depois retornando ao lar, para fazer com que toda a sua prole (e não prole, um salve ao sogro militarizado e eterno true blue) prove uma deliciosa sobremesa, enquanto, de relance, Montenegro apareça em um quadro-luz, rápido e ácido, para que assim, a vingança seja feliz e calórica.

ESSE PAPEL FOI ENVENENADO

domingo, 16 de novembro de 2008

"A Loucura, a Rotina e a Humanidade em Montenegro (Dusan Makavejev, 1981) " por Bernardo Sampaio Mendes



Montenegro (Dusan Makavejev, 1981) mostra Marylin Jordan (Susan Anspach), uma esposa insatisfeita com o casamento, tolhida em sua liberdade, em sua sexualidade, em sua busca de vida. O filme, que se passa em Estocolmo, se inicia com a constatação da rotina. É quando Marylin vê que, em seus 37 anos, “nunca havia passeado por Paris com a capota do carro aberta e os cabelos ao vento”. A aproximação dos 40 anos a faz repensar no seu estilo de vida e a loucura toma o ambiente não só da esposa, como de todos os personagens. Aliás, é característica forte de Montenegro esse humor seco e irônico presente em quase todos os momentos do filme, que o tornam uma comédia sutil, ao pôr em questão a visão do homem, da família, do dinheiro e da traição. As atitudes (ou não-atitudes) de um marido que pouco liga para os problemas da esposa, sejam eles sexuais, sentimentais ou o que for, geram uma personagem louca que o enfrenta através de um questionamento sublinhado na maluquice, na intervenção do hábito diário, foco principal de sua amargura.

O marido, Martin Jordan (Erland Josephson), mais preocupado com seus devidos problemas e com as suas viagens exóticas (o interessante é notar Recife no meio delas), nas quais sua esposa nunca está presente, busca ajuda em um psiquiatra, sendo isso, talvez, o máximo que ele faz por ela. A pergunta feita no começo, ao se comparar macaco e homem, parece se dirigir à prisão familiar instalada na família Jordan, detentora de uma boa casa em frente ao lago, boas mobílias e cama, mas que carrega uma desestrutura, uma desarmonia. “A um macaco em um zoológico uma pequena garota dirige uma pergunta: porque você vive aí? Viver na sua terra não seria melhor?”. Em comparação com a vida do primata, preso em um refúgio que lhe é desconhecido, enjaulado, está a vida da própria Marylin, uma estrangeira (ela é americana) em um país estrangeiro, em uma casa que está alheia a ela. A solução, portanto, como toda boa solução, é transformar o ambiente, criar uma intervenção, um elemento perturbador da rotina que possa denunciar o problema, que possa ser visto e que seja o porta-voz da sua voz, mas que acaba não sendo.


Nessa ironia já citada, Makavejev, diretor iugoslavo, põe em questão a ostentação através de uma linguagem bizarra, absurda. Numa das cenas, Marylin está num clube de encontros femininos, onde donas de casas trocam experiências relacionadas a casa, à moda, e, quem sabe, ao sexo. Vemos um desfile onde um comerciante de casacos de pele ressalta a beleza de uma bizarra peça que parece ser feita da calda de diversos esquilos. Nessa agudez de zombaria, baseada na crítica a uma sociedade, que por si só já é louca, parece estar escondido o sorriso malicioso, de canto de boca, que Makavejev solta, e parece nos expor um outro mundo, um mundo surreal, que embora pareça outro, é, bem na verdade, o nosso.
No aparato de personagens estranhos montados nessa história, além do avô louco e das crianças, que ao longo do filme passam a adquirir certas atitudes não mais que reais, está também o psiquiatra Dr. Pazardjian (Per Oscarsson), um personagem que, como alerta sua própria secretária (um tanto esquisita também), só está interessado em dinheiro. Aparentemente vaidoso, de gestos finos e pausados, o médico aparece experimentando (não por coincidência) um casaco de pele. Pazardjian acaba por iniciar, através de um amigo comum, uma relação que vai se tornando cada vez mais estreita com Martin, algo que ultrapassa a simples análise da esposa a beira da loucura.

Na sua indiferença (e todos parecem ser indiferentes), Martin pouco liga em viajar sem a esposa, e Marylin, ao notar que tem a oportunidade de embarcar também nessa viagem, pouco liga em deixar os filhos aos cuidados do avô, que pretende viver mais uns 17 anos e ainda arrumar uma esposa. Ao se desencontrar do marido no aeroporto e perder o vôo, Marylin se junta a um grupo de imigrantes iugoslavos e, na constatação de que tudo aquilo é uma farsa e que ela está pronta para trocar de ambiente, passa a viver por uns dias com eles em um bar que também é destilaria clandestina.

Nesse bar, a rasa humanidade do homem é exposta. É lá onde ocorrem brigas, onde se bebe muito, se comemora, se alegra, se vive. Onde o sexo é o sentimento natural inerente, mas é onde também se encontram a podridão e a loucura (nada mais que o real) de uma maneira sublinhada, bem como no subtítulo do filme. Temos, portanto, as pérolas dessa boa esposa (seu colar está quase sempre presente nas cenas) e os porcos do Zanzi Bar, local de encontro dessa minoria imigrante que parece excluída de uma realidade confortável, como a de Marylin.

Montenegro, que dá nome ao filme, é o tratador do zoológico. Por ironia ganhou este apelido, mas é natural da Sérvia. O ambiente de leste europeu, seu clima, suas relações, estão presentes nessa vivência e numa estranheza cultural que é acentuada, mas que chega a se assemelhar com o estilo de vida intenso dos latino-americanos. Na dialética da linguagem montada pelo diretor, no paralelo que ele constrói, Montenegro é quem cuida dos animais. É ele quem dá de comer aos macacos. A prisão dos macacos é também a jaula de Marylin, e ele a liberta. Mas assim, como eles, somos também animais e é isso que Makavejev pontua. Podemos, nós, confiar em nós mesmos, se somos também sujeitos a sentimentos conflitantes e a instintos naturais que nos remetem a um passado selvagem? Quem sabe até não sejamos mais animais que os próprios animais.

Mas isso já foi dito, comparado e colocado em questão. Makavejev, no entanto, sabe utilizar uma maneira própria de demonstrar isso, acentuando a nossa loucura diária, apontando que estamos nos extremos, entre porcos e pérolas. Tudo isso construído a partir de uma narrativa que carrega um sarcasmo sadio, destacando num mesmo espaço fílmico a dramaticidade da questão humana, a denúncia da rotina e da loucura, e a comédia refutada no exótico e no grotesco. Um filme que, sim, é baseado em fatos reais, no real cotidiano, no corriqueiro, naquilo que a gente vive todo dia. Montenegro é uma daquelas frutas envenenadas, mas que, no entanto, ao invés de nos matar, nos faz refletir melhor.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

"Montenegro (1981) – Dusan Makavejev" por Laíse Queiroz



Montenegro se propõe a mostrar como homens e animais estão próximos, ligados pelos instintos, pelas vontades, mas que, no final, se diferenciam pela capacidade de discernimento do certo e errado de acordo com os padrões da sociedade e das aparências.


No começo, os homens e animais são postos lado a lado de forma explicita, numa montagem que por vezes intercalava imagens de bichos com as imagens dos personagens, sugerindo suas expressões por meio das expressões animais. No decorrer do filme a aproximação vai se tornando mais sutil imageticamente, mas se mostra nos atos dos personagens, que colocam pra fora cada vez mais seu lado selvagem, instintivo e visceral.


Marylin vive financeiramente confortável com seu marido e seus filhos, totalmente dentro dos padrões de aparências e boa vida que a sociedade exige. Mas quando o espectador adentra no universo da família, nota sua desestruturação. Em prol das aparências, eles foram se destruindo psicologicamente. Marilyn, que demonstra isso com mais força, ainda possui como agravante sua total solidão num país estranho. Mostrando em seu comportamento sinais de desequilíbrio, ela não é a única, a loucura aparece explícita também no avô da família.

Depois de decidir ir com o marido numa viagem de trabalho, ela acaba tendo problemas na alfândega e perde o vôo. Achando que o marido viajou sem ela, enquanto na verdade ele a estava procurando pelo aeroporto, aceita uma carona de um casal de imigrantes, que a colocam nas mais absurdas situações. Chegam ao Zanzi-Bar, um lugar clandestino para destilação de álcool e um “night club”. Lá, ela se depara com uma realidade completamente diferente da que vivia, presenciando cenas inimagináveis (como ver um casal transando na mesma cama em que dormia), e acaba se divertindo com isso. Leva dias para dar notícias à família, que, apesar de cogitar e esboçar uma preocupação com a possibilidade de seqüestro, também não se empenha muito em procurá-la, continuando em sua rotina normal, com o marido chegando até a comentar a paz que tomou conta da casa sem sua mulher por lá. A “comunidade” que Marilyn está é permeada de muita sensualidade e violência, com situações que beiram o surreal, deixando-a intrigada e, de certa forma, encantada.


Dusan Makavejev nos mostra como o homem pode acabar deixando de lado as convenções e trazer a tona seu lado animal, visto que o que Marilyn estava fazendo parecia absurdo para sua posição na sociedade. Mas o final, na sua volta pra casa, ao largar um lugar em que realmente ela se sentia bem e se divertia, por um lugar socialmente aceitável, ela se “redime”, nos lembrando que, sim, o homem é um animal. Mas um animal racional, e que infelizmente não se entrega por inteiro.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

"Escrita automática com câmera" por André Antonio




O início de Montenegro (Dusan Makavejev, 1981) mostra uma mulher loira (Susan Anspach) se aproximando de um lago, com o olhar perdido. Ao fundo, uma casa enorme, bonita, rica, provavelmente onde ela mora. Uma música pop-romântica dos anos 80 embala a cena. A letra fala de liberdade, fala que uma moça percebeu que nunca tinha passeado de carro em Paris com o vento nos cabelos. Esse tipo de inserção nesse tipo de universo diegético (mas também o próprio contexto de eu ter visto o filme numa disciplina da universidade chamada “Cinema periférico”) já me dizia tudo: eu estava prestes a assistir a um daqueles filmes de crítica social que mostram alguém cercado de valores burgueses querendo descobrir possibilidades e liberdades novas. Ótimo, adoro esse tipo de filme. Mas o desenrolar das seqüencias de Montenegro quebrou totalmente minhas expectativas. Porque nada no filme, simplesmente, parecia fazer sentido.
As ações dos personagens sistematicamente quebravam qualquer coerência ou identidade que o pobre espectador aqui tentava dar a eles. Os sentimentos deles não eram regulados por nenhuma lógica. Pai, mãe, filhos, avô, médico, todos agiam de forma irrevogavelmente louca num universo incansavelmente louco. Universo esse que propunha situações cada vez mais nonsense que as outras. Quando o esquisito grupo de iugoslavos – incluindo aquele com a faca enfiada na cabeça! – pára pra tirar uma foto como se fosse a coisa mais normal do mundo (nossa protagonista branca aceitando sorridente) achei que tinha chegado ao cúmulo. Mas não. Ainda viria o pai e o médico dançando uma música do ABBA (I love you, I do, I do, I do, I do, I do...) com seus robes brancos. Com o que eu me deparava, um filme totalmente sem objetivos, uma tiração de onda completa?
Finda a sessão, avaliei o filme apenas como algo que me fez ter um conjunto de sentimentos – predominando a surpresa, a perplexidade, o desnorteamento e o erotismo (e também o riso em cenas como a que o pai fala ao casal de filhos, cuja mãe está seqüestrada: “é tão mais tranqüilo quando sua mãe não está aqui!”). Só. Não sabia como classificá-lo (parece que temos necessidade disso, sob pena de adquirirmos uma chata inquietação). A única vaga e distante referência que me veio à mente foi David Lynch (uma ou outra cena me lembraram rapidamente das esquisitices específicas dele). Mas os dias se passaram, e o filme, vez ou outra, voltava à minha cabeça. É, acontece. Principalmente com bons filmes, que suscitam experiências legais. Foi a partir daí que quis escrever sobre Montenegro. Tarefa arriscada, por causa dessa minha relação com o filme. E porque nunca vi nenhum outro filme de Makavejev e, como se sabe, desde o início da idéia de auteur nos anos 50, as outras realizações de um mesmo diretor são cruciais para a interpretação de determinado texto dele. Por outro lado, sempre vemos por aí análises fílmicas comparando o filme X de um diretor com os outros dele. Pelo menos aqui daremos uma escapadela rápida desse “dogma”.
Esta resenha é apenas um breve comentário para tentar sugerir uma genealogia para Montenegro (afinal, segundo os pós-estruturalistas, todos os textos já foram escritos, todos os textos são intertextos...), partindo do contexto – em grande parte subjetivo – descrito acima. Essa genealogia é o Surrealismo (a pista de Lynch estava, por fim, correta). Não é novidade que essa vanguarda história surgida nas primeiras décadas do século XX se desenvolveu proficuamente no cinema (Buñuel, Bergman, Resnais, Lynch, para citar apenas esses quatro mais conhecidos...). Mas esse desenvolvimento acabou privilegiando uma dimensão específica do Surrealismo: a imagem onírica. Os cenários de Bergman, seus enquadramentos e fotografia, as narrativas circulares de Resnais e Lynch (o trabalho primoroso de som deste último), tudo isso faz com que os filmes deles nos tragam imagens que parecem ter sido capturadas em nossos sonhos mais inquietos, em nossas lembranças mais profundas, no fundo mais obscuro do nosso inconsciente. Surrealismo.
Mas isso faz com que se esqueça outra dimensão desse movimento artístico (fartamente explorada na pintura e literatura surreais do início do século passado e nos primeiros filmes de Buñuel): a escrita automática e a junção de elementos contraditórios para se atingir um nível maior de expansão da consciência. E o que Montenegro é senão a potencialização cinematográfica dessas duas coisas? Para assegurar essa minha hipótese, há as fortes seqüências com forte clima erótico no filme (Montenegro tomando banho pelado, o dildo no tanquezinho de guerra, a dança antes do sexo...) e as mortes (Montenegro morto, com sangue farto escorrendo, o envenenamento final da família inteira...). Onde há mais sexo e morte que em nosso inconsciente – onde o Surrealismo precisamente almeja chegar?
Esse viés específico do Surrealismo parece que não conseguiu encontrar muitos adeptos cinematográficos (talvez venha daí meu estranhamento para com o filme)... no entanto não deixa de ser interessante a forma com que ele tenta trazer à tona nosso id e quebrar assim as formas perceptivas do senso-comum. Nesse sentido, Montenegro está longe de parecer um filme apenas de “porra-louquice”. E quem sabe eu não estivesse certo ao achar que, desde o princípio, o filme (com uma branca adentrando os espaços escuros dos estrangeiros exóticos de seu país) é sobre querer encontrar espaços de liberdade e novas possibilidades?

sábado, 11 de outubro de 2008

“Montenegro – Ou Porcos e Pérolas” por Eduardo Feitosa


Uma das primeiras cenas do filme parece bem familiar aos olhos e ouvidos do espectador. A imagem é de uma mulher assistindo ao pôr-do-sol num dique de um grande e calmo lago. Ao fundo, uma música típica dos anos 80 interpretada por Marianne Faithfull. A impressão é de que o público irá se deparar com mais uma película Hollywoodiana da década de 80 no maior estilo “Os Goonies”. Mas não tem nada a ver com isso. E Dusan Makevejev fez questão de deixar tal fato claro na única cena que antecede a imagem alaranjada e saudosista do pôr-do-sol. Um macaco estava alí, logo no primeiro minuto de filme, para representar o instinto animal. Viemos ao mundo para sermos o que queremos, ou pelo menos para tentarmos.
A história narra um choque de culturas vivido por Marilyn Jordan, personagem interpretada por Susan Anspach. Marilyn é uma dona de casa americana, mãe de dois filhos e casada com um rico negociante sueco. Sua vida parece estar cercada de casacos de pele e de um típico “vovô gagá da família”, que acredita ser Buffalo Bill. A protagonista está cercada pelas fúteis convenções da sociedade rica sueca e termina por tomar atitudes estranhas e incomuns, que variam entre sintomas de loucura e explosões instintivas de uma ser humana condicionada.
O ápice do filme se dá a partir do momento no qual a dona de casa conhece, por acaso, um grupo de iugoslavos que moram na Suécia. A vida desse grupo está marcada por uma intensa sensualidade, alto grau de violência e muito álcool. Apesar do “clima” diferente, Marilyn parece se acomodar e se divertir muito mais quando está com aquele grupo de estranhos do que com sua própria família. Dividir o banco de trás do carro com uma ovelha, tirar uma foto junto a um homem que tem uma faca enfiada na cabeça, dormir ao lado de duas pessoas fazendo sexo (e é incrível como nesse trecho do filme Makavejev consegue fazer os humanos parecerem eqüinos), e acompanhar o nascimento repentino do erotismo feminino numa camponesa desajeitada. Tudo isso parece estar muito além da rotina da personagem de Anspach e, por isso, a periferia se torna muito mais convidativa. A imagem de Marilyn tocando na ferida ensangüentada de um daqueles homens e, em seguida, lambendo o próprio dedo é a prova de que ela se sente parte daquele grupo.
Através de uma comédia pitoresca, irônica e repleta de “times” bem executados, pode-se dizer que Dusan Makavejev conseguiu mostrar-se um verdadeiro anjo pornográfico do cinema. O espectador compreende as suas críticas, sente-se atraído por aquela periferia sedutora e, acima de tudo, goza de cada take da película.