(Esta será uma resenha séria. Se você está com sono, é contra-indicada.
Se, ao contrário, está insone, tem em mãos um excelente
remédio. Algo como três caixas de Valium concentradas em duas páginas.)
Os americanos! Que tipo de gente faria tão bem o papel de ingleses quanto eles?
Tudo bem que Audrey seja belga e que Rex Harrisson seja inglês, assim como quase todo o
elenco. É um filme americano, cheio de americanos na direção e na parte musical. My fair
lady é dos musicais mais bem feitos de todos os tempos, disputando talvez com Singin’ in
the rain e The west side story o topo da lista.
Ao contrário do livro em que se baseou, Pigmaleão, de George Bernard Shaw, My
Fair Lady tem o final esperado pelo público. E é lindo que seja assim. Nenhuma má notícia,
nenhuma novidade ruim. Bernard Shaw foi melhorado.
Falo sério. Foi melhorado como se fosse a coisa mais fácil do mundo, como se, de
repente, alguém simplesmente decidisse que ia melhorar Shaw e pronto, foi lá e fez. Mas
com Audrey Hepburn no elenco, na verdade, tudo deve ficar fácil. Ela é como o gênio da
lâmpada que, lá está o mundo feio, chega Audrey e faz que brilhe. Principalmente com
aquelas roupas, que de defeito só tinham a dificuldade de tirar.
Esfarrapada, vendendo flores e gritando “garn”. Essa é a Audrey do filme. Vem o
pigmaleão Henry Higgins e a adota, como um escultor que escolhe qualquer pedra de
mármore ao acaso – aquela ali, ó, que vai dar uma boa escultura. Não sei o que há para
esculpir na Audrey Hepburn, às vezes fico virando a cabeça atrás de defeitos nela e tudo o
que consigo é um torcicolo. Mas Eliza Doolittle, o personagem dela, ah, essa é cheia de
defeitos, como gritar “garn”, por exemplo. Ao contrário de Audrey, geninho que falava
inglês, francês, espanhol, holandês e italiano, Eliza mal falava inglês. Algum cockney
estranho, apenas. Garn!
Eliza, como devem ter notado, é a Galatéa da história, que, como na mitologia grega,
encanta seu escultor, que esculpirá nela os ensinamentos fonéticos – especialidade artística
de nosso pigmaleão –, algo que, segundo a obra de Shaw, era relacionado à posição social
dos pobres. Um mau Inglês, diz, é o culpado por não conseguirem bons empregos. Higgins
se propõe a ensiná-la
e garante que, ao terminar o curso (super intensivo) de fonética, ela
poderá trabalhar numa floricultura de damas ou mesmo ser dona de uma – o coronel
Pickering pagaria por isso, bem como por seus estudos.
Como na lenda, Pigmaleão e Galatéa se apaixonam. Como na lenda, ficam juntos(oh,
não, estraguei o final!). Bernard Shaw, aliás, apropriouse
indevidamente da mitologia
grega. Fez um final em que eles terminam separados, ousou acabar com o futuro deles.
Nesse aspecto, o filme teria o direito de se chamar Pigmaleão; o drama de Shaw, jamais.
Quis o destino, entretanto que acontecesse o contrário.
O sarcasmo shavian é extremado no filme pelas músicas um tanto cínicas, como
“with a little bit o’ luck”, e pelas interpretações. Quando o coronel Pickering pergunta a
Alfred Doolittle, pai de Eliza, se ele não tem moral, a resposta é “Nah. Nah, can't afford
'em, guv'nor. Neither could you, if you was as poor as me” (“Não, não, não posso mantê-la,
capitão. Nem você poderia, se fosse tão pobre quanto eu”).
Há quem diga que My Fair Lady é uma forma refinada de crítica social. Enxergá-lo
assim seria estragá-lo.
Críticas sociais não são coisas de cinema, são coisas de livros ruins e
de filmes de segunda, como “Terra em Transe” e “Narradores de Javé” (que não incluo na
definição de cinema). Coisa de latino-americano
despreocupado com a estética, ou com
senso de estética torto. Talvez haja alguma crítica incidental, ou mesmo intencional, mas
afirmar que isso motiva o filme é palhaçada. Seria como afirmar que noventa por cento do
filme são casuais, apenas plano de fundo pra outros dez por cento intencionais. Seria,
portanto, criticar o filme da pior forma possível – dizer que ele só é dez por cento do que de
fato representa. É errado falar isso de My Fair Lady. Muito errado. Logo dirão que O Rei
Leão é basicamente crítica social! Calem-se,
adoradores da crítica!
Se, ao contrário, está insone, tem em mãos um excelente
remédio. Algo como três caixas de Valium concentradas em duas páginas.)
Os americanos! Que tipo de gente faria tão bem o papel de ingleses quanto eles?
Tudo bem que Audrey seja belga e que Rex Harrisson seja inglês, assim como quase todo o
elenco. É um filme americano, cheio de americanos na direção e na parte musical. My fair
lady é dos musicais mais bem feitos de todos os tempos, disputando talvez com Singin’ in
the rain e The west side story o topo da lista.
Ao contrário do livro em que se baseou, Pigmaleão, de George Bernard Shaw, My
Fair Lady tem o final esperado pelo público. E é lindo que seja assim. Nenhuma má notícia,
nenhuma novidade ruim. Bernard Shaw foi melhorado.
Falo sério. Foi melhorado como se fosse a coisa mais fácil do mundo, como se, de
repente, alguém simplesmente decidisse que ia melhorar Shaw e pronto, foi lá e fez. Mas
com Audrey Hepburn no elenco, na verdade, tudo deve ficar fácil. Ela é como o gênio da
lâmpada que, lá está o mundo feio, chega Audrey e faz que brilhe. Principalmente com
aquelas roupas, que de defeito só tinham a dificuldade de tirar.
Esfarrapada, vendendo flores e gritando “garn”. Essa é a Audrey do filme. Vem o
pigmaleão Henry Higgins e a adota, como um escultor que escolhe qualquer pedra de
mármore ao acaso – aquela ali, ó, que vai dar uma boa escultura. Não sei o que há para
esculpir na Audrey Hepburn, às vezes fico virando a cabeça atrás de defeitos nela e tudo o
que consigo é um torcicolo. Mas Eliza Doolittle, o personagem dela, ah, essa é cheia de
defeitos, como gritar “garn”, por exemplo. Ao contrário de Audrey, geninho que falava
inglês, francês, espanhol, holandês e italiano, Eliza mal falava inglês. Algum cockney
estranho, apenas. Garn!
Eliza, como devem ter notado, é a Galatéa da história, que, como na mitologia grega,
encanta seu escultor, que esculpirá nela os ensinamentos fonéticos – especialidade artística
de nosso pigmaleão –, algo que, segundo a obra de Shaw, era relacionado à posição social
dos pobres. Um mau Inglês, diz, é o culpado por não conseguirem bons empregos. Higgins
se propõe a ensiná-la
e garante que, ao terminar o curso (super intensivo) de fonética, ela
poderá trabalhar numa floricultura de damas ou mesmo ser dona de uma – o coronel
Pickering pagaria por isso, bem como por seus estudos.
Como na lenda, Pigmaleão e Galatéa se apaixonam. Como na lenda, ficam juntos(oh,
não, estraguei o final!). Bernard Shaw, aliás, apropriouse
indevidamente da mitologia
grega. Fez um final em que eles terminam separados, ousou acabar com o futuro deles.
Nesse aspecto, o filme teria o direito de se chamar Pigmaleão; o drama de Shaw, jamais.
Quis o destino, entretanto que acontecesse o contrário.
O sarcasmo shavian é extremado no filme pelas músicas um tanto cínicas, como
“with a little bit o’ luck”, e pelas interpretações. Quando o coronel Pickering pergunta a
Alfred Doolittle, pai de Eliza, se ele não tem moral, a resposta é “Nah. Nah, can't afford
'em, guv'nor. Neither could you, if you was as poor as me” (“Não, não, não posso mantê-la,
capitão. Nem você poderia, se fosse tão pobre quanto eu”).
Há quem diga que My Fair Lady é uma forma refinada de crítica social. Enxergá-lo
assim seria estragá-lo.
Críticas sociais não são coisas de cinema, são coisas de livros ruins e
de filmes de segunda, como “Terra em Transe” e “Narradores de Javé” (que não incluo na
definição de cinema). Coisa de latino-americano
despreocupado com a estética, ou com
senso de estética torto. Talvez haja alguma crítica incidental, ou mesmo intencional, mas
afirmar que isso motiva o filme é palhaçada. Seria como afirmar que noventa por cento do
filme são casuais, apenas plano de fundo pra outros dez por cento intencionais. Seria,
portanto, criticar o filme da pior forma possível – dizer que ele só é dez por cento do que de
fato representa. É errado falar isso de My Fair Lady. Muito errado. Logo dirão que O Rei
Leão é basicamente crítica social! Calem-se,
adoradores da crítica!
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