terça-feira, 20 de março de 2007

"Sonhos antes das cores" por Lucas Lima


Não sei ao certo como se dá a confecção dos resumos de filmes que vêm na contracapa dos DVDs. O mesmo pode ser dito sobre as sinopses encontradas nos periódicos. Facilmente esses escritos podem promover um trabalho mal fadado como a melhor produção do gênero, ou não levar o leitor a ver a película por causa das palavras que acabam por não se alinhar com a grandeza do trabalho que se encontra em mãos. O último exemplo pode ser aplicado ao filme de Krzystof Kieslowski, A dupla vida de Véronique (1991).
Os críticos afirmam que essa não é a obra-prima do diretor – conhecido por sua trilogia das cores –, porém, o filme não deixa de ser indispensável para os que querem entender um pouco mais do universo do cineasta – e também para os que necessitam degustar de um trabalho bem estruturado. Contudo, um resumo mal feito como o que vem no DVD distribuído pela MK2 pode afugentar o espectador, por acabar transparecendo que a película tem um quê de novela da Globo, com uma história de irmãs gêmeas separadas pelo parto e que se sentem apesar da distância.
Erros à parte, Kieslowski constrói um filme baseado no seguinte argumento: duas mulheres nascem no mesmo dia, uma na França e outra na Polônia, e acabam por sentir que não estão só no mundo. Uma idéia simples, concretizada em imagens poéticas e que brincam com um jogo de cores. Essas, não são berrantes como nos trabalhos do espanhol Pedro Almodóvar. Porém são fortes, com predominância dos tons verdes – e, por vezes, do vermelho.
O diretor também brinca na hora de usar a câmera. Em diversos momentos há uma certa deformação da imagem, como se ele usasse uma grande angular, dando forma arredondada ao que se vê na tela. Completando essa primorosa técnica, há o jogo de luz e sombra, que dá um quê apurado à fotografia fílmica e serve perfeitamente para criar o ponto pungente do quadro. E, para fechar, a trilha sonora, doce e calma, para manter o lirismo do trabalho.
Falando das personagens principais, Weronika e Véronique, vê-se um leve diferencial entre a personalidade das duas. A primeira é mais sonhadora, que sente um prazer dilacerante com as pequenas coisas – sejam elas alguns pingos de chuva ou o pó da parede que cai sobre o rosto. Ela se mostra mais frágil, argumento que pode ser ratificado com o fim inesperado da mesma na primeira meia hora de filme.
Já Véronique, apesar de ter também um lado sonhador notório, parece ser um pouco mais racional – ou ser forte o suficiente para tentar entender a realidade do mundo. Essa última personagem pode ser vista como uma transformação da primeira, como alguém que vai se apurando para o mundo – e isso pode se relacionar à própria trajetória do cineasta, que sai da sua terra natal para ganhar a notoriedade no país do lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
Juntando esse dois modelos de sonhadores, Kieslowski vai montando seu enredo, mostrando pistas do que pode ligar as duas mulheres – como a música. Além disso, após a morte de Weronika, há a busca de Véronique pelo seu amante misterioso – busca que também se faz em pistas pequenas, como por uma caixa de charutos vazias e em um cadarço de sapato.
Por fim, elas, Weronika e Véronique, acabam se encontrando, mesmo que seja em uma fotografia. Esse, então, surge como o momento de fusão – ratificado por uma história lida nos minutos finais do filme pelo amante já não mais misterioso. Os créditos finais vão chegando e o lirismo já tem tomado o espectador por completo. E o que fica depois de ver essa história toda? Uma vontade de ser infantil e ver o mundo por outros ângulos, nem que seja por uma pequena bola que o mostra ao contrário; ou uma vontade de encontrar um ponto de fusão, que proporcione o equilíbrio e o ápice da vida. Talvez A dupla vida de Véronique seja um ponto de partida para perceber que tudo isso é possível.

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