terça-feira, 20 de março de 2007

"UMA ANDORINHA SÓ NÃO FAZ SUSPENSE" por Alan Luna



A
lguma lista que pretendesse catalogar os filmes mais esquisitos do cinema provavelmente teria de trazer entre seus títulos, ali, nas primeiras colocações, este Os pássaros (1963), de Alfred Hitchcock. Poucas obras são fruto de uma obsessão tão particular — e olha que estamos falando de um diretor bastante afeito a elas, as obsessões.

Como todo filme incomum, é difícil classificá-lo. Seu enredo beira o patético: “a chegada da bela loira Malaine Daniels (Tippi Hendren) à pacata cidade de Bodega Bay coincide com o aparecimento de um estranho fenômeno: o ataque de bandos de pássaros a seres humanos”. Como se vê, teria tudo para descambar para o trash, não fosse a mão hábil de um diretor com invejável domínio da linguagem fílmica. E eis aqui um problema, pelo qual Hitchcock deveria nos pagar eternamente: sua experiência, nas mãos de diretores menos sutis, forjou praticamente um subgênero cinematográfico, o do “estranho mundo animal”, que nos rendeu pérolas como Formigas assassinas, Malditas aranhas! e Aracnofobia.

Também, pudera: as obras listadas ficam apenas na superfície, no bizarro. E o filme de Hitchcock — sem querer teorizar muito, já que se trata “apenas” de um bom suspense — tem também suas metáforas. A principal delas diz respeito ao estrago que a presença de um elemento estranho (Malaine Daniels) pode causar em existências já cristalizadas. O fato de a irmã de Mitch (Rod Taylor), Cathy (Veronica Cartwright), insistir em levar consigo o casal de canários mesmo depois de toda a destruição causada pelos seus pares é igualmente sintomático de uma “mensagem”. Também não deixa de ser interessante assistir ao filme num momento em que o mundo discute os efeitos do aquecimento global para o equilíbrio biológico, tema do documentário Uma verdade inconveniente, com o ex-vice presidente norte-americano Al Gore.

Mas o maior mérito de Os pássaros é mesmo o apuro técnico. A propalada ausência de trilha sonora é um dos seus principais trunfos — o uso apenas da sonoplastia só torna as coisas ainda mais angustiantes. E é importante lembrar que, em outros momentos, o mesmo diretor fez da trilha sonora um dos seus principais trunfos, como no filme anterior, Psicose. Eis aí uma prova inequívoca de quem não se torna refém de recurso algum, que bem poderia servir de lição para muita gente acomodada nas fórmulas prontas. Outro ponto a observar é a igualmente famosa ausência do “The End” ao final do filme, uma solução stanislawskiana para manter o impacto junto ao espectador. Deu tão certo que hoje nem comédia romântica se atreve mais a usar as tais palavrinhas.

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