terça-feira, 20 de março de 2007

A CRISE É A MELHOR AMIGA DO CINEMA por Alan Luna



O
ano de 2001 assinala um período de transformações em duas cinematografias de porte diverso no continente americano. Em nenhuma delas o motivo da reviravolta está ligado a questões artísticas ou estéticas. Foram a política e a economia que ditaram novos rumos para o olhar que diretores dos Estados Unidos e da Argentina lançariam sobre seus países a partir de então. Os primeiros motivados pelos atentados terroristas de 11 de setembro; os segundos, pela convulsão social que tomaria conta do país naquele ano.

Em ambos os casos, a indústria cinematográfica foi capaz de transformar a crise em leitmotiv criativo. Na Argentina, logo surgiram obras que, de uma forma ou de outra, em maior ou menor medida, abordavam a crise político-econômica da nação, como O filho da noiva (Juan José Campanella), O pântano (Lucrecia Martel) e Histórias mínimas (Carlos Sorín). Dentre todos, provavelmente nenhum tratou do assunto de forma tão sutil e humana como este último. E é esse mesmo tratamento que encontramos no filme posterior de Sorín, O cachorro (2004). Aqui, os problemas da Argentina ferida continuam expostos: no desemprego, na falta de perspectivas para a terceira idade, na corrupção que perpassa as relações sociais e na concorrência desenfreada causada pela globalização (metaforizada pela situação do protagonista, que não consegue vender suas facas artesanais devido à entrada no mercado de similares brasileiras, bem mais baratas).

Mas o que Sorín faz como poucos é nos cativar com personagens absolutamente simples, quase banais, fascínio que talvez se torne maior nos tempos de hoje, quando o excepcional é não ser celebridade. Nesse sentido, é sintomático que o diretor coloque nas personagens principais o mesmo nome dos atores: Juan Villegas e Walter, respectivamente. O mesmo recurso foi utilizado pelo brasileiro Karim Ainoüz, em O céu de Suely. Mas é com outro diretor brasileiro que Sorín mais se assemelha: Eduardo Coutinho. Embora este seja um realizador de documentários, o carinho com que trata seus “personagens” lembra muito o estilo do argentino.

O cachorro contém basicamente os mesmos traços presentes em Histórias mínimas. Parece mesmo continuação ou parte deste, que também é um road movie pelas paisagens patagônicas e também tem um cachorro no enredo. A semelhança, por um lado, incomoda — O cachorro não contém o mesmo impacto do seu antecessor —, mas não se pode negar que ela funciona como uma espécie de assinatura. A assinatura de Carlos Sorín.

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