quarta-feira, 21 de março de 2007

"Cinema e HQs" por Tiago Maciel


Todo filme precisa de uma história. Ok, isso é bem óbvio. E transformar histórias já existentes em filmes não é novidade nenhuma, o cinema já vem fazendo isso com os clássicos da literatura há décadas. Antes mesmo de existir o cinema, a literatura mundial já fazia as pessoas imaginarem cenas, personagens e efeitos fantásticos. Sem falar no teatro, umas das artes mais antigas do mundo, em que se encenavam histórias da tradição oral. Viajando ainda mais longe na linha temporal, acharemos a capacidade de sonhar e de imaginar do ser humano que já tornava possível a criação de imagens impossíveis.
Em termos simples, o que os cineastas fazem é pegar uma história e convertê-la ao formato do script para facilitar a transformação das letras em imagens visuais. Vários (se não todos) diretores e roteiristas, inclusive, criam storyboards divididos em quadros com os desenhos de como eles querem ou imaginam que as cenas devam ser reproduzidas. Ora, se um storyboard é uma coleção de desenhos separados por quadros, por que não usar as histórias em quadrinhos já existentes?
As histórias em quadrinhos – ou HQs – são uma forte expressão da cultura pop há várias décadas. Os personagens das HQs são tão famosos que já viraram referências para diversas situações. Alguém incrivelmente forte é denominado de Super-Homem. Quem não gosta de tomar banhos ganha o simpático apelido de Cascão. Uma pessoa avarenta que só pensa em dinheiro pode ser chamada de Tio Patinhas. Enfim, o que sabemos é que as histórias em quadrinhos são produtos que vendem bem e seus personagens são mundialmente famosos. Portanto, é apenas natural que a sétima arte se interesse por esse filão.
Quando falamos de filmes de HQs, os super-heróis são os primeiros personagens que vêm à mente. Super-Homem, Batman, Homem-Aranha e os X-Men, por exemplo, ganharam várias versões cinematográficas, principalmente nos últimos anos. Mas antes de chegarem às telonas, esses personagens passaram por uma – digamos – “fase de testes” nas telinhas. Foi um período satisfatório e o mundo (principalmente os executivos de grandes empresas) percebeu que o público estava preparado para ver seus ídolos saírem do papel e se tornarem de carne e osso.
Quem não se lembra do clássico seriado do Batman da década de 60 protagonizado por Adam West, com seus famigerados “POW!” ou “WHAM!” que acompanhavam os golpes? Ou a Mulher Maravilha vivida por Lynda Carter que se transforma na heroína do título ao girar em torno de si mesma? E o Incrível Hulk do halterofilista Lou Ferrigno? Até os mais obscuros como A Poderosa Isis (que surgiu na TV antes de ter uma personagem correspondente nos quadrinhos) ou os mais bizarros como uma versão do Homem-Aranha pra TV japonesa colaboraram para a popularidade dos heróis.
Um outro artifício usado pelas TVs para dar vida aos heróis foram os desenhos animados. Especialmente na década de 90, quase todos os super-heróis das mais variadas editoras (principalmente das duas mais famosas: Marvel e DC Comics) tiveram uma versão animada. Além dos heróis, praticamente todos os personagens de quadrinhos, incluindo a Turma da Mônica e as crias de Walt Disney, já ganharam seus desenhos animados. Embora os desenhos animados não fossem versões em carne e osso (ou live action), ainda assim eles ajudaram a aguçar a imaginação dos fãs, pois davam movimentos e vozes aos personagens.
Apesar de três filmes do Super-Homem já terem sido feitos (1978, 1980 e 1983), onde Cristopher Reeve deu um rosto ao Homem de Aço, os filmes de HQs estavam longe de serem considerados um investimento rentável. Pode-se dizer que o marco na história dos filmes de HQs foi o filme “Batman” (1989) dirigido por Tim Burton e com atuações de Michael Keaton como o personagem-título e Jack Nicholson como o Coringa, uma das interpretações de personagem de quadrinhos mais fantásticas de que se tem notícia. A Gotham City sombria e corrupta idealizada por Burton fez com que alguns fãs finalmente pudessem visualizar a cidade do Homem-Morcego como algo tangível, como uma cidade real.
O primeiro filme do Batman serviu para reviver o personagem e apontou o caminho para a saída da crise na qual se encontrava a indústria de quadrinhos na década de 80. O segundo filme, “Batman Returns” (1992), novamente dirigido por Burton, pavimentou esse caminho com as ótimas atuações de Danny DeVito como o Pinguim e Michelle Pfeifer como a Mulher-Gato (ao contrário do desastre ambulante que é o filme homônimo “estrelado” por Halle Berry). No entanto, o terceiro filme, “Batman Forever” (1995), dirigido por Joel Schumacher, deixou perceptível que a falta de boas histórias estava começando a afetar a rentabilidade dos filmes. Essa impressão confirmou-se com o advento do quarto filme da série, “Batman e Robin” (1997), onde as atuações deixaram muito a desejar (incluindo a do “governator” Arnold Schwarzenegger como o Sr. Frio. Péssimo.) e mostraram que a mágica dos filmes de super-heróis estava desaparecendo. Além de Batman e Super-Homem, o Flash também ganhou um filme tão inexpressivo em 1990 que quase ninguém sabe que ele existe.
Após um breve hiato, o século XXI e a Marvel Comics deram novo fôlego às adpatações cinematográficas, trazendo os X-Men, o Homem-Aranha e o Hulk para as telonas. Até então, a DC Comics (dona dos direitos sobre o Batman, o Super-Homem e o Flash, entre outros), havia comandado o filão de filmes baseados nas histórias em quadrinhos. Então, para não ficar pra trás por causa dos sucessos da concorrente, a DC, mesmo cometendo erros gravíssimos com os filmes “Aço” (1997) e “Mulher-Gato” (2004), produziu recentemente “Batman Begins” (2005) e “Superman Returns” (2006), colocando-se no páreo novamente. E ainda tem planos de produzir, em um futuro próximo, um filme do Flash e um do Capitão Marvel (que apesar do nome, é um personagem da DC).
No entanto, agora era mesmo a vez da Marvel que, com décadas de histórias e vários personagens para servir de base, colocou os roteiristas para trabalhar e eles capricharam. Os fãs gostaram e a indústria dos quadrinhos teve uma nova vida. A Marvel é a editora que mais investiu no ramo nos últimos anos. Além dos já mencionados Homem-Aranha, X-Men e Hulk, a Marvel lançou, em apenas 7 anos, filmes do Quarteto Fantástico, Demolidor, Elektra, Justiceiro e Motoqueiro Fantasma. Além desses, já estão confirmados mais um do Homem-Aranha, outro do Quarteto Fantástico e o segundo do Justiceiro para 2007 e ainda existem planos para o Homem-de-Ferro, Namor, Capitão America, Punho de Ferro, Luke Cage, Nick Fury e um filme solo do Wolverine em breve. Os 3 filmes dos X-Men (2000, 2003 e 2006) e os dois do Homem-Aranha (2002 e 2004) foram um sucesso de público, mesmo com algumas poucas (às vezes nem tão poucas) mudanças significativas nas histórias e nos personagens que diferem da versão original das HQs.
Essas mudanças, na verdade, podem se tornar um grande problema e dar uma tremenda dor de cabeça aos estúdios e aos produtores. Ao transformar HQs em produções cinematográficas, o principal fator a que se deve atentar é a fidelidade com as histórias originais. Fãs de quadrinhos, em sua maioria, são pessoas chatas, intolerantes e que odeiam quando seus ídolos são mostrados de uma forma equivocada. Definitivamente, não é uma boa idéia desagradá-los, já que são eles quem assistem e compram todo o merchandising proveniente dos filmes. Mudanças não muito radicais, como incluir o Ra’s Al Ghul na origem do Batman ou usar uma formação dos X-Men que não seja a original no primeiro filme dos mutantes, são até aceitas pelos fãs, mostrando uma tolerância incomum a esse tipo de criatura. Entretanto, transformar John Constantine em um moreno sem carisma (i.e. Keanu Reeves) e arranjar um filho para o Super-Homem, não são mudanças bem-vistas e/ou bem-quistas pela maioria dos fãs.
Personagens mais obscuros de ambas as editoras também já foram pras telonas. Muitos não sabem, mas os dois filmes do “Monstro do Pântano” (1982 e 1989) são baseados em um personagem da DC. Já a Marvel detém os direitos de “Howard The Duck” (1986) e dos três filmes do vampiro Blade (1998, 2002 e 2004). Outros heróis (ou anti-heróis) de outras editoras menos famosas, como a Image ou a Dark Horse, também ganharam versões cinematográficas. Entre eles estão “O Máscara” (1994), “Spawn” (1997; da revista homônima) “Hellboy” (2004; também personagem-título de sua revista) e “Constantine” (2005; da revista “Hellblazer”). Até as Tartarugas Ninjas apareceram nos quadrinhos antes de virar filme.
Mas não são apenas os super-heróis que saltam das HQs para as telonas. Outros personagens, como o detetive “Dick Tracy” (1990) ganhou sua versão em filme, com direito a atuação cômica da cantora Madonna. Os próprios integrantes da Turma da Mônica (de Maurício de Sousa) já foram “cinematografados”, tanto em versão animada (as mais recentes datando de 2004 e 2007) quanto em versão live action, sendo representadas por pessoas com máscaras (toscas, diga-se de passagem). Ainda na linha dos “não-super-heróis”, temos ótimos exemplos nos filmes baseados nas obras de dois gênios das histórias em quadrinhos: Alan Moore e Frank Miller.
Duas das graphic novels de Moore já foram transformadas em filmes, sendo elas “A Liga Extraordinária” (2003) e “V de Vingança” (2005). Porém, depois da lambança que fizeram com seus personagens em “A Liga Extraordinária”, na qual os produtores e roteiristas adicionaram, cortaram e mudaram os personagens e as histórias a seu bel-prazer, Moore não quis o nome dele associado a “V de Vingança”. Bem, de uma forma ou de outra, o filme é ótimo e Alan Moore merece ser reconhecido pelo gênio que é. E além dos dois filmes já citados que tiveram como base as graphic novels de Moore, existe também a previsão de que seja feito, em 2008, um filme baseado naquela que é considerada a obra-prima de Alan Moore: “Watchmen”. Um clássicos das HQs e com uma base de fãs gigantesca ao redor do mundo, pode-se ter certeza que seria (será?) um filme com um retorno mais do que certo.
No caso de Frank Miller, autor de histórias clássicas dos quadrinhos (como esquecer a saga “A Queda do Demolidor”?), a coisa muda um pouco de figura. O diretor de “Sin City” (2005) Robert Rodriguez fez questão de que o nome de Miller fosse incluído como co-diretor, já que, nas suas próprias palavras, o estilo visual da obra de Miller era tão importante quanto o papel do próprio diretor no filme. Quando a Associação dos Diretores da América não permitiu que isso acontecesse, Rodriguez cortou laços com a Associação e adicionou o nome de Frank Miller aos créditos do jeito que queria. Uma honraria mais que merecida, já que Sin City é considerada a mais fiel adaptação já feita dos quadrinhos para o cinema. E com “Os 300 de Esparta” (que conta, inclusive, com o brasileiro Rodrigo Santoro no papel do rei persa Xerxes) vindo em 2007 e “Sin City 2” com previsão para 2008, os fãs estão na expectativa para mais dois fantásticos filmes baseados em HQs.
Apesar de algumas experiências ruins, não podemos negar que a junção de dois ícones da cultura pop como o cinema e as histórias em quadrinhos é altamente proveitosa. É uma parceria que carrega em si um grande potencial artístico e comercial e os filmes decorrentes dessa junção são produtos rentáveis que podem gerar ainda outros produtos variados, resultando em um grande percentual de lucro. E é um benefício mútuo, pois não são apenas os estúdios que faturam, mas também as editoras, já que a publicidade resultante aumenta a curiosidade dos leitores, que ficam interessados naqueles personagens e são estimulados a ir comprar os gibis. Para a parceria ser frutífera, basta se ter um pouco de noção e fazer um trabalho, no mínimo, decente.

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