terça-feira, 20 de março de 2007

"Os sonhadores de Truffaut e Roché" por Lucas Lima


Os Sonhadores de Truffaut e Roché

Deve ser um grande martírio fazer a adaptação de uma obra literária para o cinema. Páginas e mais páginas de escritos precisam ser lidas para que, em seguida, se possa retirar o material necessário para confecção da película. Obras com pouco valor conseguem ser eternizadas pela sétima arte, porém, alguns filmes acabam sendo conhecidos como trabalhos mal fadados de grandes clássicos da literatura. Mesmo assim, os dois meios podem acabar se equiparando e se completando. É o caso de Jules e Jim.

O livro foi escrito por Henri-Pierre Roché no início da década de 50. No começo da década seguinte, Fançois Truffaut, após comprar a obra em um sedo, decide adaptá-la ao cinema. Apesar de se tratar da mesma história, cada uma acaba enfocando um ponto com mais esmero. Antes de comentar as diferenças, é necessário versar um pouco sobre o que é o cerne de Jules e Jim, independente do meio ao qual foi adaptado.

É notório que a história contempla a história de três personagens em especial: Jules, seu amigo Jim e a bela Catherine. Resumidamente, percebe-se que o enredo da narrativa é o elo que une os dois amigos entre si e em Catherine, e as paixões vividas pelos três – ou entre eles. Além disso, as aventuras e desventuras dos amigos-amantes burgueses na Paris entre guerras, no início da primeira metade do século XX. O compacto sobre o que significa essa historieta pode parecer irrisório, mas é a pura verdade. Verdade essa que se forma nas mãos daqueles que, na literatura e no cinema, colocaram em prática e desenrolaram o tema.

Feitas as apresentações, é preciso buscar os pontos de convergência entre Jules e Jim na literatura escrita e no cinema. O livro de Henri-Pierre Roché é dividido em três partes. A primeira enfoca o início da amizade entre os personagens que dão nome a história. A segunda traz à tona Catherine e a relação dela com Jules e, em seguida com Jim. Já a última parte, versa sobre a separação do último casal e o desenrolar da história após os percalços da união desses – ou dos três.

Percebe-se na obra de Roché que as três partes possuem basicamente o mesmo tamanho. Contudo, é perceptível que a primeira funciona mais como uma apresentação de Jules e Jim, sendo possível que o encurtamento dos fatos, sendo descritos apenas os mais importantes, poderia dar mais força à narrativa – já que as demais partes da narrativa – e o ponto principal – e o que vai acontecer entre os personagens principais. Vê-se também que, ao entrar na história dos desses de fato, há uma mostra que a união de Jules e Jim é muito mais forte do que os percalços que eles vivenciam – talvez o motivo para que eles aceitem certas subordinações oferecidas por Catherine.

No livro, provavelmente, essa relação entre os amigos fique mais perceptível – até mesmo por trazer mais relatos sobre a história dos dois – e mais “pensamentos” escritos dos mesmos. Como exemplo dessa união: os amores compartilhados, a complacência com os atos alheios e o entendimento mútuo, mesmo nos momentos de conflito. Isso, contudo, fica um pouco esquecido no filme, que coloca Catherine – na atuação memorável da atriz Jeanne Moreau – como base primordial para a adaptação para as telas – base que não deixa de existir no livro, mas que é compartilhada de forma mais igualitária com Jules e Jim.

O filme de autoria de François Truffaut deixa apenas os minutos iniciais da obra reservada à primeira parte do livro. Trunfo, então, para o cineasta, que consegue mimetizar o necessário para entendimento da narrativa em imagens simples e, além disso, lúdicas – como o charuto-locomotiva de Thérèse. Nessa adaptação, sim, as idas e vindas entre Jules/Jim e Catherine ganham o espaço prioritário – e merecido. Talvez a atração que a mulher passe para os homens seja mais perceptível quando a personagem ganha o corpo da atriz – que, mesmo descrita no filme como não tão bonita, tem o seu charme que hipnotiza os que a cercam. Aqui a obra é mais compacta, outro feito de Truffaut, que consegue resumir em 105 minutos – e de forma primorosa – o que o livro de 155 páginas transmite – também com esmero.

Como não poderia deixar de ser, contudo, as adaptações cortam certos fatos e transportam outros para lugares que o adaptador da obra acreditam ajudar melhor a contar os fatos. Exemplos? No livro, Catherine possui duas filhas com Jules, o que no filme se transforma apenas em uma doce menina. Outro ponto que ainda não foi falado é a luta de Cathe e Jim para ter um filho. Nesse ínterim, Jules concede o divórcio – sem rancor e briga -, o outro casal se casa, separava e o primeiro casal volta a ser. Até que haja esse desfeito, brigas e tentativas de procriar ilustrarão o livro – o que é pincelado apenas no filme.

Fazer essa comparação entre as obras seria uma tarefa que demandaria a análise de cada minuto do filme e página do livro – confrontando passo a passo cada pedaço que dá vida a Jules e Jim, independente do meio em que se passa. O objetivo, contudo, não é mostrar as falhas em cada roteiro da história, e sim mostrar que a confluência entre solidifica e torna a história mais viva. História essa de grandes sonhadores, talvez que consiga mostrar toda a lascividade dos personagens sem necessitar revelar corpos – tal a obra de Bernardo Bertolucci, Os sonhadores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário