terça-feira, 20 de março de 2007

"Os pássaros" por Mariane Bezerra de Menezes


Realismo ou metafísica, sugestão ou violência - é difícil saber o que faz um filme de suspense melhor. Utilizando-se a simplicidade do dicionário, uma coisa é certa: suspense é aquilo “que faz nascer um sentimento de angústia ou de dúvida” no espectador. Pois bem. Bons filmes de suspense não precisam ser recheados de efeitos especiais, nem terem grandes orçamentos; devem, de fato, conduzir o espectador para dentro da trama, dirigindo suas emoções. Coisa que ninguém soube fazer como Alfred Hitchcock.
Apesar do título “Mestre do suspense” haver sido uma autodenominação, a verdade é que Hitchcock fez jus à fama. Como disse Truffaut, ele soube “conduzir o público ao capricho de sua sensibilidade”. Velho conhecido do medo – quando tinha cinco anos, seu pai chegou a trancá-lo em uma delegacia para que fosse um menino bonzinho -, Hitchcock aprendeu a construir no vídeo uma “atmosfera dramática precisa”, em que se sobressai o elemento tensão.
A produção fílmica do diretor pode ser dividida em duas: britânica – a primeira, dada sua nacionalidade – e hollywoodiana. Ele começou a filmar em 1925, ainda na época do cinema mudo, com Jardim dos Prazeres. O primeiro sucesso veio dez anos depois, em Os 39 degraus. Depois de ser consagrado pela crítica - recebendo, inclusive, elogios dos Nouvelle Vaguistas - Hitchcock resolveu mudar os ares. Nos Estados Unidos, produziu seus grandes sucessos de bilheteria: Rebecca (1940), Um corpo que cai (1958), Psicose (1960) e Os pássaros (1963).
Cineasta de estética recorrente, Hitchcock inova com Os pássaros. Ainda há o “crime” como o background, mas aqui não se trata de um assassinato, mas de algo um tanto sobrenatural: uma série de ataques de aves enfurecidas numa pequena cidade na Califórnia. No filme, Rod Taylor é Mitch Brenner, um promotor de Justiça aficionado por pássaros, e Tippi Hendren é a socialite Melanie Daniels. Os dois se encontram numa loja de animais, quando Brenner está à procura de um casal de periquitos para presentear sua irmãzinha.
Atraída pelo promotor bonitão, ela o segue até Bodega Bay, onde ele está passando o fim de semana. Mas a cidade, aparentemente tranqüila, vai oferecer a surpresa principal do filme. O ataque dos pássaros começa tímido, quando uma gaivota agride Melanie na volta da casa de Mitch. Pouco a pouco, as aves se agrupam e se põem a avançar contra todos.
Não há motivo racional para as investidas. E Hitchcock não pretende desvendá-lo. Pensar em inverossimilhança se revela infundado no decorrer da estória, porque, apesar da falta de explicação, os ataques das aves são tão realistas e violentos que fazem o espectador refletir sobre a real possibilidade de acontecerem. Nesse ponto, Hitchcock consegue atingir o que seria, para ele, o objetivo do cinema: criar um espetáculo de identificação, para que o público se sinta dentro da tela, e, a partir daí, na pele do personagem.
É por isso que o cineasta tem predileção pelo desenvolvimento da psicologia das figuras dramáticas. A partir desse princípio, descobrimos porque ele pontua, na primeira parte dos Pássaros, a personalidade de cada personagem: a carência de Melanie, deixada de lado pela família; a falsa mulherenguice de Mitch, na verdade oprimido por uma mãe possessiva; e a infelicidade da professora Annie, abandonada no passado pelo promotor.
Assim, na segunda parte do filme, o espectador se encontra bastante envolvido, e acaba por torcer pelo happy end – outra recorrência hitchcockiana, assim como os suspeitos inocentes, loucura, voyerismo, mulheres loiras e mães dominadoras.
Na obra de Hitchcock, o contraponto cômico alivia a tensão e prepara o espectador para o próximo susto. É o que acontece em Os pássaros, em uma seqüência memorável dentro de um bar, quando os personagens especulam sobre a veracidade dos ataques. No filme, o cineasta também exibe sua preferência pelos ambientes internos, principalmente no clímax, quando os protagonistas estão enclausurados na sala da casa da família. Melanie, presa em um quarto, sofre a agressão final.
Para propiciar o clima de suspense, a movimentação da câmera segue o estilo hitchcockiano: primeiros planos, closes e detalhes. A sonoplastia aqui é ponto inovador: é totalmente derivada de efeitos sonoros, que criaram o som das aves gritando. Os Pássaros, desse modo, segue o preceito realista das tramas do cineasta, apesar do mote fantástico, simplesmente razão para cultivar o temor psicológico, o subconsciente, a reflexão sobre algo que, naturalmente, não oferece perigo: aves.
Os pássaros é um verdadeiro filme de suspense, não no sentido de exercer medo – talvez o tenha feito em 1963, obviamente -, mas de deixar o espectador em permanente tensão. A angústia segue a película até o desfecho inovador: Hitchcock esquece o final feliz, e conclui o filme sem o tradicional The end. O motivo é claro. O receio não acaba, não existe explicação lógica, e, apesar da aflição diminuir, a desconfiança continua. Bem capaz de um espectador de Os pássaros adquirir uma aversão temporária pelos bichos. Hitchcock ficaria muito feliz em saber.

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