Nossa subjetividade é fundada sobre a nossa própria cegueira. A felicidade e o conhecimento não cruzam caminhos e, como nos advertiu Lacan, nossa atitude espontânea é de não querer saber demasiado. Mas afinal, o que há para saber de tão insuportável a ponto de nossa busca pelo prazer ser ela mesma uma busca pelo reverso da verdade? O cinema atua como um elemento de desvelamento dos nossos saberes interditos quando nos coloca diante do nosso incômodo abismo interior, o vazio a-significante que habita em nós. É quando, para além do principio do prazer, através da arte, experimentamos a irredutível condição humana da cisão, do sofrimento, do páthos.
No cinema não cabe o meu pensamento. O que desejo de um filme é que um outro pense em mim. Esse é o grande acontecimento do cinema. O discurso do cinema mobiliza minha subjetividade e elabora uma verdade outra que se esconde em mim. Como em análise, esse discurso não traduz representações, mas transfere cargas de energia. O que vale afirmar que um filme não me diz nada, mas leva algo meu a dizer. Produção de verdade entre o sujeito e a obra, entre as representações conscientes e inconscientes, o cinema é uma arte fenomenológica por excelência.
Quando nos deparamos com uma projeção, a um primeiro momento, o que nos é demandado é nossa passividade. Realmente, o filme pede que nos desarmemos do nosso eu narcísico para que ele abra os canais por onde sua narrativa deve fluir. Mas apenas em um primeiro momento. Na verdade, como nos mostrou Edgard Morin, o cinema está fundado sobre dois movimentos elementares da nossa psique: a projeção e a identificação. Somos implicados em um sistema que integra tanto nossa subjetividade no fluxo da narrativa como o fluxo da narrativa no nosso fluxo psíquico. Em termos teóricos isso implica dizer que não devemos abordar o cinema sem considerar a quantidade de sentimentos, representações e intensidades que ele mobiliza e arrasta - sem considerar sua dimensão onírica.
Quando alguém aponta para a inocência de um filme aponta para o que há de mais forte nele. Benjamin anteviu esse caráter subversivo da sétima arte. O que aconteceu em grande parte com os gêneros que perderam espaço no universo do cinema foi que perderam a inocência. O pacto do espectador com a obra só acontece com o relaxamento das instâncias racionalizantes da nossa psique. Daí que quando pensamos durante um filme saímos dele, passa-se alguma coisa que não é cinema. Se comprometer é não entender, o pacto é não interpretar, ainda que essa experiência me leve a um desvelamento.
Mas poucos mergulhos que me levam a uma experiência ascendente. Há, por toda parte, o cinema que goza no sintoma. Experiências que reforçam os recalques. Hollywood, essa grande máquina de repetição. E quanto prazer há na repetição! Em quantos momentos não somos a criança pedindo à mãe que conte a mesma história de todas as noites... Mas estética é ética. O sujeito que abre mão da sua condição desejante e torna-se submisso ao gozo do outro se desumaniza – é lançado em um “abismo sub-humano”, como traduziu a modelo em Cega Obsessão. O sujeito que não deseja não vive, está dominado por sua pulsão de morte. Toda fruição descendente é uma experiência masoquista de submissão, de condicionamento do desejo ao recalque.
O desejo é uma instância de proteção ética de uma subjetividade porque impede que ela seja eliminada pela onipotência imaginária do outro. Ainda que meu desejo seja um desejo masoquista de submissão – como é todo desejo –, o gozo do outro é interditado pelo mecanismo subjacente a esse desejo. O outro atua deslocado, nos domínios da própria realidade interior psíquica do sujeito. Por ser o desejo tributário do recalque - a representação da falta do outro – o sujeito é implicado eticamente no trabalho de dissociar o seu desejo do prazer obtido a partir desse recalque.
Uma obra pode atuar como vetor de uma desterritorialização do desejo já que não é apenas a materialização do desejo sublimado do outro, mas também uma realidade reveladora, portanto transfiguradora da minha própria condição irremediavelmente cindida e vazia de sentido. É porque minha subjetividade não tem um sentido último que algumas obras, para além do deleite, me trazem a angústia que essa condição de falta a-significa. É quando nos traz o trágico irredutível da nossa dimensão de abandono que o cinema produz verdade.
No cinema não cabe o meu pensamento. O que desejo de um filme é que um outro pense em mim. Esse é o grande acontecimento do cinema. O discurso do cinema mobiliza minha subjetividade e elabora uma verdade outra que se esconde em mim. Como em análise, esse discurso não traduz representações, mas transfere cargas de energia. O que vale afirmar que um filme não me diz nada, mas leva algo meu a dizer. Produção de verdade entre o sujeito e a obra, entre as representações conscientes e inconscientes, o cinema é uma arte fenomenológica por excelência.
Quando nos deparamos com uma projeção, a um primeiro momento, o que nos é demandado é nossa passividade. Realmente, o filme pede que nos desarmemos do nosso eu narcísico para que ele abra os canais por onde sua narrativa deve fluir. Mas apenas em um primeiro momento. Na verdade, como nos mostrou Edgard Morin, o cinema está fundado sobre dois movimentos elementares da nossa psique: a projeção e a identificação. Somos implicados em um sistema que integra tanto nossa subjetividade no fluxo da narrativa como o fluxo da narrativa no nosso fluxo psíquico. Em termos teóricos isso implica dizer que não devemos abordar o cinema sem considerar a quantidade de sentimentos, representações e intensidades que ele mobiliza e arrasta - sem considerar sua dimensão onírica.
Quando alguém aponta para a inocência de um filme aponta para o que há de mais forte nele. Benjamin anteviu esse caráter subversivo da sétima arte. O que aconteceu em grande parte com os gêneros que perderam espaço no universo do cinema foi que perderam a inocência. O pacto do espectador com a obra só acontece com o relaxamento das instâncias racionalizantes da nossa psique. Daí que quando pensamos durante um filme saímos dele, passa-se alguma coisa que não é cinema. Se comprometer é não entender, o pacto é não interpretar, ainda que essa experiência me leve a um desvelamento.
Mas poucos mergulhos que me levam a uma experiência ascendente. Há, por toda parte, o cinema que goza no sintoma. Experiências que reforçam os recalques. Hollywood, essa grande máquina de repetição. E quanto prazer há na repetição! Em quantos momentos não somos a criança pedindo à mãe que conte a mesma história de todas as noites... Mas estética é ética. O sujeito que abre mão da sua condição desejante e torna-se submisso ao gozo do outro se desumaniza – é lançado em um “abismo sub-humano”, como traduziu a modelo em Cega Obsessão. O sujeito que não deseja não vive, está dominado por sua pulsão de morte. Toda fruição descendente é uma experiência masoquista de submissão, de condicionamento do desejo ao recalque.
O desejo é uma instância de proteção ética de uma subjetividade porque impede que ela seja eliminada pela onipotência imaginária do outro. Ainda que meu desejo seja um desejo masoquista de submissão – como é todo desejo –, o gozo do outro é interditado pelo mecanismo subjacente a esse desejo. O outro atua deslocado, nos domínios da própria realidade interior psíquica do sujeito. Por ser o desejo tributário do recalque - a representação da falta do outro – o sujeito é implicado eticamente no trabalho de dissociar o seu desejo do prazer obtido a partir desse recalque.
Uma obra pode atuar como vetor de uma desterritorialização do desejo já que não é apenas a materialização do desejo sublimado do outro, mas também uma realidade reveladora, portanto transfiguradora da minha própria condição irremediavelmente cindida e vazia de sentido. É porque minha subjetividade não tem um sentido último que algumas obras, para além do deleite, me trazem a angústia que essa condição de falta a-significa. É quando nos traz o trágico irredutível da nossa dimensão de abandono que o cinema produz verdade.
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