sábado, 24 de março de 2007

"Jules e Jim" por Luís Henrique Leal



É possível discutir se Jules e Jim é ou não o melhor filme de François Truffaut. Afinal, pode ser tema de debate a superioridade de tal ou qual filme. E há, na obra do diretor, muitas temáticas e abordagens importantes, maduras, líricas. Mas a discussão perderia em seu muito de seu significado, se tomasse esse rumo.Jules e Jim parece ser uma reflexão, um pensamento profundo sobre o afeto. É o retrato do fascínio e da beleza das relações, em seu caráter substancialmente humano.

A obra de Truffaut parte de um texto literário – o livro de Henri-Pierre Roché, que o diretor descobriu ao acaso em um sebo francês. E a própria construção que Truffaut costuma fazer de seus filmes[1] guarda evidentes relações com a literatura.

A construção do universo de significado do diretor transita facilmente, e com leveza, entre as linguagens literária e cinematográfica. No caso específico de Jules e Jim, Truffaut faz, por exemplo, opção pela existência de um narrador onisciente – preservando, assim, a forma original do livro.

II

Jules e Jim são jovens amigos, que travam amizade incomum. Desenvolve-se uma relação amistosa, afetuosa – a ponto de os dois se compreenderem mutuamente e compartilharem muitos aspectos de vida da belle époque. Tamanha afinidade, relativiza as evidentes diferenças.

Os amigos se encantam com Catherine, e passam a amar a mesma mulher. Nela identificam a beleza dos traços de uma estátua, e encontram nisso uma impulsão à vida e à contemplação divina.

Catherine é a representação da feminista libertária - num tempo em que a frivolidade e a autonegação são ressaltadas como características necessárias à própria condição feminina[2].

Jim é francês, enquanto que Jules, austríaco. Vem a guerra, e Jules e Jim se vêem impelidos a opor-se no front. Se coloca um imperativo, como força irrevogável e superior.

Jules está casado com Catherine, mas a relação não parece satisfatória para ela. O tempo da guerra, a partir das cartas de Jules, reconstituíra parte do sentimento de afeto, mas, de volta à convivência, logo, Catherine se deixa abater pelo sentimento anterior. Ele, resignado, tem medo de perdê-la.O casal convida Jim para uma visita. E logo este se torna, com consentimento de Jules, amante de Catherine. O filme desenvolve, então, através de intempestivas ações e delírios uma espécie de triângulo amoroso.

Catherine é excessivamente instável e exitante, tem sede da vida e incapacidade de superar habituais angústias. Desenvolvem-se efeitos do tempo sobre a leveza do equilíbrio inicial inerente às relações, cada personagem se perde em seus desesperos.

Catherine hesita entre Jules, Jim e outro amante. Jim se deixa envolver por dúvidas com uma amante parisiense. Jules encontra significado na criação da filha Sabine.

Por fim, as coisas se esvaem. A impossibilidade. Catherine encerra a vida, ao lado de Jim. Jules fica, pra cuidar amorosamente da filha.Jules e Jim é um filme sobre afeto. É o retrato do fascínio e da beleza das relações, em seu caráter substancialmente humano – que se encerra na impossibilidade de vivência plena de todas as coisas.

[1] Considerando, inclusive, produções ulteriores – visto que Jules e Jim é o terceiro filme do diretor, e os dois filmes anteriores têm formas distintas.
[2] É interessante, inclusive, observar que a personagem não traz discursos elaborados a respeito da libertação das mulheres. Não é isso. Os tais elementos parecem apreendidos e interiorizados, a ponto de não se fazer necessário discuti-los retoricamente. Essa clareza permite a o desenvolvimento do triângulo amoroso.

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