A rainha matou o marido. Antes mesmo de viver o luto da morte da Princesa de Gales, sua nora, em 1997, e levar o Oscar 2007 da categoria “Melhor atriz” ela matou o marido. Matou, mais precisamente, em 1989, na cozinha do Le Hollandais, sofisticado bistrô londrino do qual ostentava o título de primeira-dama.
O marido, além de dono do restaurante, era ladrão. O ganster Albert Spica, de fama e brutalidade reconhecidas. Aprisionou a rainha Georgina durante anos entre Gautiers, banquetes e risos falsos. Ela não o amava e procurou o amor de outro homem. Ele a desvendou e ordenou o extermínio daquele cúmplice na traição.
Encomendou, para a sua surpresa, não a tristeza –e o retorno à monogamia, segundo seus planos-, mas o espírito de vingança que preenchia a monarca. Uma vingança fina e arquitetada, que, também por encomenda, culminou no maior dos banquetes já oferecidos no Le Hollandais. Spica não estava entre os convidados. Spica era o jantar, cozido em forno baixo e acompanhado com batatas sauté. Estavam todos servidos do marido da rainha, que, soberana, esbanjava nobreza e obscurantismo por entre a estirpe que ciceroniava.
Sugestão de canibalismo. Não, o banquete não virou manchete de tablóide. Não, a realeza não se estremeceu com o indecoro. Isso porque a rainha ainda não era A rainha, personagem-título do longa-metragem de Stephen Frears. Helen Mirren, que vive Elizabeth II no polêmico relato do pós-morte de Lady Di + início de ministério de Tony Blair, vivia o alter-ego Georgina, peça chave de O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante (1989), de Peter Greenaway.
Georgina é a personificação do humor negro no cinema inglês da década de 80. É sedenta, é dramática, é má, é musa. Leva aos finalmentes o roteiro do dúbio escatológico amor & comida. Entrelaça performances de cama e mesa na cenografia sensorial proposta pelo diretor e ex-pintor.
O banheiro é onde acontece o primeiro sexo dos amantes. É, portanto, branco, como o paraíso. Já a cozinha, local sagrado, de concepção e manuseio de alimentos, é verde, remete a assepsia. O grande salão de jantares, palco para a figuração diária do ato de comer, só poderia ser vermelho intenso. Calor, pulsão de vida e morte.
A temperatura das cores cai bem à interpretação de Helen Mirren. A sensação das cores, na verdade, contamina o seu próprio humor e interfere no percurso que traça de espaço em espaço. No ínterim sorrateiro entre o salão e o banheiro, por exemplo, vive o truque de passar do vermelho ao branco conservando a mesma modelagem. Artifício da experiência vanguardista de Greenaway em fazer convergirem códigos do cinema, do teatro e das artes plásticas.
O cozinheiro... é, sem dúvidas, uma pesquisa a ser feita na filmografia de quase 150 filmes da atriz do ano segundo não só a academia de Hollywood como também os jurados do Festival de Veneza, do BAFTA e de tantos outras premiações. Perde quem assistir a A rainha desavisado. Perde porque toda rainha tem um passado. O de Helen Mirren é uma ousada surpresa.
O marido, além de dono do restaurante, era ladrão. O ganster Albert Spica, de fama e brutalidade reconhecidas. Aprisionou a rainha Georgina durante anos entre Gautiers, banquetes e risos falsos. Ela não o amava e procurou o amor de outro homem. Ele a desvendou e ordenou o extermínio daquele cúmplice na traição.
Encomendou, para a sua surpresa, não a tristeza –e o retorno à monogamia, segundo seus planos-, mas o espírito de vingança que preenchia a monarca. Uma vingança fina e arquitetada, que, também por encomenda, culminou no maior dos banquetes já oferecidos no Le Hollandais. Spica não estava entre os convidados. Spica era o jantar, cozido em forno baixo e acompanhado com batatas sauté. Estavam todos servidos do marido da rainha, que, soberana, esbanjava nobreza e obscurantismo por entre a estirpe que ciceroniava.
Sugestão de canibalismo. Não, o banquete não virou manchete de tablóide. Não, a realeza não se estremeceu com o indecoro. Isso porque a rainha ainda não era A rainha, personagem-título do longa-metragem de Stephen Frears. Helen Mirren, que vive Elizabeth II no polêmico relato do pós-morte de Lady Di + início de ministério de Tony Blair, vivia o alter-ego Georgina, peça chave de O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante (1989), de Peter Greenaway.
Georgina é a personificação do humor negro no cinema inglês da década de 80. É sedenta, é dramática, é má, é musa. Leva aos finalmentes o roteiro do dúbio escatológico amor & comida. Entrelaça performances de cama e mesa na cenografia sensorial proposta pelo diretor e ex-pintor.
O banheiro é onde acontece o primeiro sexo dos amantes. É, portanto, branco, como o paraíso. Já a cozinha, local sagrado, de concepção e manuseio de alimentos, é verde, remete a assepsia. O grande salão de jantares, palco para a figuração diária do ato de comer, só poderia ser vermelho intenso. Calor, pulsão de vida e morte.
A temperatura das cores cai bem à interpretação de Helen Mirren. A sensação das cores, na verdade, contamina o seu próprio humor e interfere no percurso que traça de espaço em espaço. No ínterim sorrateiro entre o salão e o banheiro, por exemplo, vive o truque de passar do vermelho ao branco conservando a mesma modelagem. Artifício da experiência vanguardista de Greenaway em fazer convergirem códigos do cinema, do teatro e das artes plásticas.
O cozinheiro... é, sem dúvidas, uma pesquisa a ser feita na filmografia de quase 150 filmes da atriz do ano segundo não só a academia de Hollywood como também os jurados do Festival de Veneza, do BAFTA e de tantos outras premiações. Perde quem assistir a A rainha desavisado. Perde porque toda rainha tem um passado. O de Helen Mirren é uma ousada surpresa.
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