terça-feira, 20 de março de 2007

"O Cachorro (Bombón, el perro)" por Luís Henrique Leal


Depois de premiação no Festival de Veneza e do reconhecimento internacional por seu filme La película del rey (1986), o estreante diretor argentino Carlos Sorín saiu-se com um novo projeto: Sonrisas de Nueva Jersey (1989). De tão massacrado pela crítica, deixou de lado o cinema e passou a dedicar-se à publicidade.

Bom publicitário, Sorín manteve-se durante 13 anos distante do cinema. Nada produziu, e muitos chegaram a imaginar que encerrara a carreira.

Desenvolvendo um estilo próprio que desenhara desde seu primeiro filme, Sorín constrói uma narrativa terna. Mais maduro, faz de seu Histórias Mínimas(2002) a demarcação de um estilo característico de fazer cinema. Em Bombón, el perro (2004), Sorín dá seqüência à sua opção quase documental de filmar pessoas comuns em cotidianos tranqüilos.
No filme, Juan Villegas interpreta Juan Villegas – um senhor desempregado. Trabalhou por cerca de vinte anos em um posto de gasolina, mas, demitido, pôs-se a vender facas. O negócio não vinga. As perspectivas que se colocam para Juan são desalentadoras. Sem qualquer tipo de especialização, aos 52 anos de idade, vive de favor na casa da filha pouco amorosa.

É um sujeito alijado do mundo – que pouco pode fazer para escapar desta condição. Numa Argentina visivelmente em crise, em uma região distante e pouco desenvolvida, a solidão de Villegas se configura, pouco a pouco, como tragédia silenciosa.

O filme de Sorín se constrói aos pedaços, sem reviravoltas, como uma linha conexa em que o tempo passa arrastado. Villegas é contido – assim como a realidade que o envolve. Não há transformação drásticas ou mudanças de qualquer tipo. As ações conduzem à manutenção do ritmo e da ordem.

Casualmente, Villegas encontra, na estrada, uma moça com o carro quebrado – e lhe resolve o problema. Meio que a contragosto, recebe como pagamento um cachorro. Aí, está a reviravolta do filme – se é que a narrativa de Sorín apresenta alguma.

O cachorro de boa raça, forte atribui a Villegas uma nova condição. A partir de Le Chien, Villegas se vê como sujeito dotado de importância – e se lhe colocam possibilidades.

Acompanhado, Villegas é capaz de conseguir emprego como vigilante de um galpão. Em outra ocasião, ganha atenção especial do gerente do banco, impressionado com o cachorro. Recebe, inclusive, a indicação de procurar um treinador para o cão.

Desse modo conhece Walter Donado, que se encarregara de preparar Le Chien para exposições. O cachorro chega a participar de um concurso, obtendo um razoável – e honroso – terceiro lugar; e só. (Definitivamente, a construção narrativa de Carlos Sorín não se faz de grandiloqüentes trajetórias e impulsões.)Juan Villegas, deixa de ser um desempregado, passando a ser expositor de animais. A condição de dono de um cachorro promissor atribui significado ao personagem – é através do animal que ele se faz como ser viril socialmente, dotado de importância.

Do mercado de cães, uma parceria entre Villegas e Donado pode, ainda, conseguir algum dinheiro com o aluguel do cachorro para a reprodução. Le Chien, no entanto, apresenta um distúrbio de inapetência sexual.

O problema frustra a dupla.

Sem expectativas, o cachorro fica aos cuidados de Donado – por uma razão eminentemente pragmática. Quando volta, à busca do cachorro, numa situação engraçada do filme, Villegas flagra o cachorro transando, isto é, superando o tal distúrbio de libido.

O filme, assim, não chega a ter um final trágico. Mas o dilema existencial de Villegas se mantém presente. As coisas, ao final, não lhe parecem tão interessantes – e restam poucos espaços para a esperança.Juan Villegas continua a vida, na estrada.

II
Da utilização de atores amadores e da câmera quase documental consegue-se atingir um realismo surpreendente. Talvez boa parte da profundidade e da capacidade de sensibilizar do filme venha deste laço, do encontrar uma verdade mais genuína e humana. Sorín se encarrega de criar um universo terno e afetuoso, ainda que seus personagens convivam com fraquezas, dificuldades cotidianas e problemas amplos.

O Cachorro é um filme que se faz da capacidade de extrair lirismo nas pequenas coisas, de encontrar uma transcendência na simplicidade, da sensibilidade e da sutileza nas relações humanas. É um filme comedidamente bonito, repleto de sentimentos tênues e verdadeiros.

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