De todos os sentidos humanos, o cinema só pode atingir diretamente a audição e, principalmente, a visão. Trabalhar outros sentidos em filmes é sempre um desafio, pois os diretores só podem trabalhar com sugestões, sem a possibilidade de estímulos diretos. Filmes em que o olfato, a gustação ou o tato sejam partes essenciais do filme precisam de todo uma ordem e planejamento especial dos seus criadores para criar uma experiência marcante. Olfato e gustação podem ser evocados por flores e grandes banquetes, como os de Como Água para Chocolate (1993), de Afonso Arau,ou O Cozinheiro, o Ladrão, a Mulher e o seu Amante (1989), de Peter Greenaway, para ficar só em alguns exemplos clássicos.
Mas como sugerir sensações tácteis, em que não existem muletas como exibição de vapores e de comidas saborosas? Foi esse o desafio que Yasuzo Yasumura enfrentou para criar Cega Obsessão (Moju, 1969), uma adaptação da história que o escritor Edogawa Rampo publicou em uma série de folhetins de um jornal japonês em 1931 e 32. O resultado conseguido pelo diretor se tornou uma experiência sensorial única para o espectador
Na história original de Rampo, o personagem Michio (Eiji Funakoshi), um escultor cego de nascença, perambulava pelo Japão em busca de mulheres que pudessem ser os mais belos modelos para o seu projeto de reproduzir da forma mais sensual possível todas as partes do corpo humano. Na adaptação de Masumura, a história é reduzida ao menor número de personagens possível. Na primeira cena, vemos Michio descobrir uma escultura baseada no corpo da jovem modelo Aki (Mako Midori), que se revela para o escultor cego como o corpo perfeito que ele sempre procurara. Disfarçado de massagista, Michio consegue seqüestrá-la, levando-a para o seu atelier particular.
O atelier de Michio, local onde se passa todo o resto do filme, é um dos cenários mais fascinantes da história do cinema. Revelado aos poucos para Aki, numa cena surreal, o atelier consiste em uma sala octogonal construída dentro de um galpão, em que cada uma das paredes é ocupada por esculturas de diferentes partes do corpo feminino: olhos, boca, orelhas, nariz, pernas, braços e seios. Junto com a modelo vamos descobrindo o modo de Michio ver o corpo feminino, fragmentado em diferentes partes, já que só a visão pode dar a noção do todo. Ao centro temos dois enormes corpos femininos sem cabeça, simbolizando a união do que nas paredes está separado. No todo, o espaço parece uma instalação inspirada no hiper-realismo das esculturas de Ron Mueck, um artista plástico australiano.
De início, Aki tenta fugir de todas as formas desse mundo criado por Michio, até mesmo fingindo cativar o escultor para ludibriá-lo. Esbarra na figura da mãe de Michio (Noriko Sengoku), uma personagem que é prato cheio para análises psicanalíticas: é quase uma serva do escultor, e ao mesmo tempo o mantém em uma posição infantil de sempre precisar dela para qualquer coisa. A partir do momento que Aki parece se envolver pelo amor doentio de Michio, uma clara competição entre mãe e amante se estabelece no filme.
A competição termina com a morte da mãe de Michio, o ponto em que Aki, já convertida em amante devotada pela Síndrome de Estocolmo, vai descer junto com o escultor cego nos abismos dos seus desejos e taras. Michio, por outro lado, descobre pela primeira vez na vida um pleno amor carnal, mas essa descoberta não é libertadora: ele e Aki se transformam em dois animais movidos a luxúria, que se machucam e tiram sangue um do outro em busca do prazer, já sem noção de tempo ou de que seja civilização, apenas objetos estéticos e sensoriais um para o outro. No final do filme, a entrega de Aki se torna completa: transformada em pleno objeto, ela tem os seus membros arrancados do corpo, um a um, se tornando tão fragmentada quanto a instalação no atelier de Michio.
Curiosamente, toda essa sensualidade se mantém dentro de um estrito tabu japonês, a de que os pelos pubianos das mulheres nunca podem ser mostrados em fotos ou filmes - pelo menos os artísticos. Mesmo assim, o filme ficou como inspiração para filmes japoneses que quebrariam essa barreira, como o clássico O Império dos Sentidos (1976), de Nagisa Oshima – uma eterna referência com relação à união entre o erótico e o artístico.
Mas como sugerir sensações tácteis, em que não existem muletas como exibição de vapores e de comidas saborosas? Foi esse o desafio que Yasuzo Yasumura enfrentou para criar Cega Obsessão (Moju, 1969), uma adaptação da história que o escritor Edogawa Rampo publicou em uma série de folhetins de um jornal japonês em 1931 e 32. O resultado conseguido pelo diretor se tornou uma experiência sensorial única para o espectador
Na história original de Rampo, o personagem Michio (Eiji Funakoshi), um escultor cego de nascença, perambulava pelo Japão em busca de mulheres que pudessem ser os mais belos modelos para o seu projeto de reproduzir da forma mais sensual possível todas as partes do corpo humano. Na adaptação de Masumura, a história é reduzida ao menor número de personagens possível. Na primeira cena, vemos Michio descobrir uma escultura baseada no corpo da jovem modelo Aki (Mako Midori), que se revela para o escultor cego como o corpo perfeito que ele sempre procurara. Disfarçado de massagista, Michio consegue seqüestrá-la, levando-a para o seu atelier particular.
O atelier de Michio, local onde se passa todo o resto do filme, é um dos cenários mais fascinantes da história do cinema. Revelado aos poucos para Aki, numa cena surreal, o atelier consiste em uma sala octogonal construída dentro de um galpão, em que cada uma das paredes é ocupada por esculturas de diferentes partes do corpo feminino: olhos, boca, orelhas, nariz, pernas, braços e seios. Junto com a modelo vamos descobrindo o modo de Michio ver o corpo feminino, fragmentado em diferentes partes, já que só a visão pode dar a noção do todo. Ao centro temos dois enormes corpos femininos sem cabeça, simbolizando a união do que nas paredes está separado. No todo, o espaço parece uma instalação inspirada no hiper-realismo das esculturas de Ron Mueck, um artista plástico australiano.
De início, Aki tenta fugir de todas as formas desse mundo criado por Michio, até mesmo fingindo cativar o escultor para ludibriá-lo. Esbarra na figura da mãe de Michio (Noriko Sengoku), uma personagem que é prato cheio para análises psicanalíticas: é quase uma serva do escultor, e ao mesmo tempo o mantém em uma posição infantil de sempre precisar dela para qualquer coisa. A partir do momento que Aki parece se envolver pelo amor doentio de Michio, uma clara competição entre mãe e amante se estabelece no filme.
A competição termina com a morte da mãe de Michio, o ponto em que Aki, já convertida em amante devotada pela Síndrome de Estocolmo, vai descer junto com o escultor cego nos abismos dos seus desejos e taras. Michio, por outro lado, descobre pela primeira vez na vida um pleno amor carnal, mas essa descoberta não é libertadora: ele e Aki se transformam em dois animais movidos a luxúria, que se machucam e tiram sangue um do outro em busca do prazer, já sem noção de tempo ou de que seja civilização, apenas objetos estéticos e sensoriais um para o outro. No final do filme, a entrega de Aki se torna completa: transformada em pleno objeto, ela tem os seus membros arrancados do corpo, um a um, se tornando tão fragmentada quanto a instalação no atelier de Michio.
Curiosamente, toda essa sensualidade se mantém dentro de um estrito tabu japonês, a de que os pelos pubianos das mulheres nunca podem ser mostrados em fotos ou filmes - pelo menos os artísticos. Mesmo assim, o filme ficou como inspiração para filmes japoneses que quebrariam essa barreira, como o clássico O Império dos Sentidos (1976), de Nagisa Oshima – uma eterna referência com relação à união entre o erótico e o artístico.
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