terça-feira, 20 de março de 2007

"A má companhia de Neil Jordan" por Gustavo Ferreira



A menina (Sarah Patterson no papel de Rosaleen, a Chapeuzinho) dormia maquiada. Mesmo com febre, ela se levantou da cama e se maquiou para dormir. E se maquiava mal, como uma criança se maquiaria na realidade. Eu achava que em filmes de fantasia coisas fantásticas aconteciam o tempo todo, mas não, não acontecem. As meninas dos filmes de fantasia não sabem se maquiar decentemente, o que é uma pena. Talvez seja culpa da imaginação de Neil Jordan, que só conseguia fantasiar pro lado do mal, pro lado da maquiagem feia com o batom da irmã mais velha.
Além disso, “A Companhia dos Lobos” (1984) não tem nada de ótimo, tem pouco de bom, bastante de ruim e exagera no trash. Não exatamente no trash-clássico, o kitsch, o trash que nos faz rir, mas no trash-trash. Uma rara cena bonita do filme é quando sangue cai sobre uma rosa branca e, aos poucos, ela se torna rubra. É bonita porque não faz parte da história ruim, é uma divagação estética que foge do universo pesado do filme e entra num lugar bonito. Uma cena que prova que, se o filme durasse uns oito segundos e fosse composto apenas por uma cena, e a cena escolhida fosse essa, poderia até ser considerado um filme razoável ou bom. Ao mesmo tempo, porém, em que essa cena prova que Neil Jordan tem capacidade para fazer um filme de qualidade, ela prova que ele tem, também, mau-gosto raro, por escolher fazer belo apenas um trecho do filme e encher o resto de fantasia mal elaborada.
A história da Chapeuzinho Vermelho contada pelos irmãos Grimm é mais divertida que a de Neil Jordan, e todas as adaptações que ele fez na história somente pioraram. Jordan transformou em literalidade as metáforas do conto infantil, o lobo é um homem de fato no filme. Que tipo de fantasia é essa, que transforma metáforas em transcrição? Eles mastigam a fantasia mais do que o lobo mastiga a vovozinha e nos entregam em uma bandeja, pronta, mastigada, digerida? Não precisamos mais fantasiar? Podiam lançar um delivery desse tipo, com enzimas sobre a comida, mas eu continuaria com a fantasia à la carte, quentinha, pronta para que eu mastigasse e eu digerisse. Que tipo de diretor faz de um bom mote um mau filme?
O culpado pelo filme é, é claro, Neil Jordan, que não aprendeu que as surpresas não valem simplesmente por surpreender, mas devem ser também agradáveis. Quando ele mistura um pouco – muito pouco, um ínfimo – de Lewis Carroll ao filme, ele consegue surpreender e piorar ainda mais. Por que o filme se passa num sonho? É a história da chapeuzinho, não é Alice no país das maravilhas. Pra quê misturar? Ele achou que estaria melhorando algo, coitado? Um filme de fantasia deve se passar, sei lá, dentro de um livro, ou num universo paralelo, onde todas as coisas acontecem de fato. E deve ser divertido ou assustador ou bonito ou tudo isso. Não é pra ser enfadonho, sem graça e feio – sim, porque o filme é bastante feio a maior parte do tempo.
Ah, e tem a vovó! A vovó tem a cabeça de gesso. Alguns dirão ser uma metáfora, ou algo assim, mas eu acredito ser falta de orçamento aliada a mau-gosto do diretor. E a menina que estava sonhando, bem, por que acontece aquilo no final? Provavelmente por causa da maquiagem que ela usava. A lição do filme, se bem entendi, é: não use a maquiagem da sua irmã, você pode acabar mal. Provavelmente esse filme assusta mais as meninas ladras, e talvez tenha alguma função educativa coibindo o roubo de maquiagens e afins. Mas entre ele e um filme educativo com estatísticas e dados sobre os resultados dos roubos das maquiagens das irmãs nas vidas de jovens moças de doze anos, fico com o segundo e detalhado filme. Ele é enfadonho, é fato, mas nunca pretendeu não ser.

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