terça-feira, 20 de março de 2007

"Cega Obsessão" por Luís Henrique Leal


O espectador que, à época, assistiu, pela primeira vez, Cega Obsessão, de Yasuzo Masumura (1969), seguramente deve haver sido tomado por um sentimento de estranhamento incomum. Saló ou os 120 dias de Sodoma, de Pier Paolo Pasolini (1975), ou Império dos Sentidos, de Nagisa Oshima (1976), são recorrentemente citados como marcos na cinematografia mundial de um cinema fundamentalmente “descontrutor”, da implosão do desejo em seus limites, da oscilação entre o amor e a morte.

Cega Obsessão antecipa alguns destes pontos, e certamente estabelece conexões temáticas. Na recriação, se manifesta a explicitação do desejo e da pulsão reprimida.

O filme de Masumura, entretanto, é uma outra coisa. Não se lhe pode atribuir um caráter vigoroso, que elabore ou se lance sobre aspectos caóticos ou anárquicos. O diretor constitui uma narrativa pouco flexível e suas representações de erotismo e desejo pouco, ou nada, vão além da sugestão. Tal procedimento, no entanto, não corresponde às metonímias – recorrentemente utilizadas nas criações artísticas como elemento de metaforização dos conteúdos -, na sua capacidade de ampliar conceitualmente as abordagens temáticas; mais que isso, a utilização da sugestão revela-se uma construção empobrecida de um universo superficializado.

A constituição do filme ganha forma a partir da narração de Aki, jovem modelo fotográfica. O filme desenvolverá, na narrativa, a relação com seu seqüestrador, o escultor cego Michio. Que, artista - ou pretenso -, é um obcecado e obstinado, representação da privação de sentido, ou do direcionamento deste.

A relação estruturada passa pela imposição unilateral de vontades do escultor.

O desconhecimento de muitos aspectos e a não-vivência do sujeito excessivamente protegido pela mãe, incapacitado da autonomia e do conhecimento através da experiência vivida, faz de Michio um sujeito obsessivo. O tal desenvolvimento da arte tátil é, de certo modo, a projeção de uma desestruturação das privações, tendo como fundamento uma nova forma de constituição de significações de desejo, sentimentos e sexualidade.

Nesse sentido, a narrativa constitui um cenário significativo na elaboração da psiqué do personagem. O galpão, que serve de atelier ao escultor, é um espaço referencialmente erótico. Um universo visual que remete aos fetiches e aos impulsos vitais. O filme desenvolve, no espaço construído, uma dramatização das relações.

Não consegue, entretanto, sustentar-se. Adiante, chega a ensaiar uma trama de Aki para explicitar o viés edipiano da relação entre Michio e a mãe – e, assim, do desacerto, criar as condições propícias para a fuga.

Por mais que pareça, no filme, evidente, na relação materna, um servilismo devotado, a construção de Masumura parece, rapidamente, esgotar esse aspecto. Não só se deixa de aprofundá-lo, como dá, através da personagem de Aki, uma explicação esgarçada fio a fio.

Isto é, quando sugerir seria uma real possibilidade de amplificação de significados na narrativa, o diretor se sai com uma forma banal de atribuição de sentido. Pior: para desolamento cinematográfico de quem faz leituras críticas, o diretor sequer se utiliza de artifícios visuais para transmitir a mensagem; as imagens não dizem nada, a personagem explica pormenorizadamente suas observações sobre a relação mãe-filho.

A morte da matriarca, adiante, parece ser uma possibilidade de inflexão da narrativa. Na negação de um valor fundamental da civilização oriental, que é o excessivo respeito à tradição e à família, Michio mata a própria mãe.

Acaba por ser uma escolha inconsciente pela concretização do desejo carnal.

O universo das relações, portanto, reduz-se. A refém passa a contemplar, em sintonia com o seqüestrador, a atmosfera sexualizada. Experimentações institivas, masoquistas desenvolvem um imaginário sexual. Os personagens se “libertam”, à busca de uma transcendência e uma profusão de sentidos. A busca desesperada se encerra na mutilação. Michio e Aki se degradam, juntos, e atingem a libertação.

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