Concordo com a idéia de que sempre fazemos um pouco o mesmo filme. Somos o que somos, nossa personalidade é geralmente a conseqüência daquilo que vivemos em nossa infância, e passamos a vida a remoer indiretamente as mesmas idéias. Isso é ainda mais verdadeiro no plano artístico que no humano. Qualquer que seja o tema que aborde, ele sempre acaba sendo uma maneira desviada de se lançar ao mesmo problema, à mesma obsessão.
(Tim Burton (2002))
A citação acima justifica a elaboração deste ensaio. O próprio cineasta reconhece; as recorrências são inúmeras em sua obra, e o presente texto tem por objetivo desvelá-las. Arza (2004) notou o “cinema autoral” (p.11) característico da obra de Tim Burton. Segundo o teórico, os filmes burtianos se apresentam “em primeira pessoa, no qual o cineasta trata de mostrar suas preocupações, interesses, mundo interior, opções estéticas”(p.13).
Dessa forma, Marcos Arza aloca Tim Burton no rol dos cineastas de “autoria pós-moderna”, segundo ele, de uma indubitável autonomia, mas, ao mesmo tempo, que respeitam a estrutura da industria cinematográfica. Burton é cineasta hollywoodiano, mas impõe estética pessoal em filmes para o grande público.
Para se desvelar tais características, foram selecionados os principais filmes e curtas-metragens do diretor – mediante critério de apreciação de público e crítica – para, a partir da análise de cada obra separada, serem elencadas as recorrências estéticas – predileção temática – e formais – movimentação de câmera. Juízos de valor, pois, serão apenas pontuados; de fato, a crítica não deve ser vista como foco deste texto.
Num primeiro momento, será apresentada, de maneira concisa, a biografia de Burton; num segundo momento, a seleção fílmica entra em pauta, e, por último, será apresentada uma conclusão, com vistas a resumir as principais descobertas desta análise.
É importante ressaltar, ainda, que este ensaio é fruto de uma análise majoritariamente pessoal. É interessante que se continue a investigar a obra burtiana: muitas características devem ter passado despercebidas, e fica aqui o incentivo para que se prossiga com a investigação.
O Cineasta
A trajetória de Tim Burton como cineasta tem reminiscências na infância, quando já tinha predileção por estórias e filmes de horror. Logo começa a desenvolver suas próprias narrativas, repletas das influências provocadas por essa afeição, e criar alguns personagens. Todos eles, de fato, refletem o gosto pelo sombrio, pelo gótico e pelo peculiar. Burton também gostava de desenhar, e decide seguir carreira como animador, depois de estudar na California Instituts of Arts.
O talento do autor o leva a trabalhar – ironia – nos estúdios da Disney. Comprovada a habilidade, é-lhe creditada a confiança de dirigir dois curtas: Vincent (1982) e Frankieweenie (1984). Vincent, um desenho animado em stop-motion[1] (ou animação quadro-a-quadro, um tipo de efeito-especial que deixa o desenho mais realista. Os personagens parecem bonecos feitos de massa), já deixa transparecer o estilo burtiano.
Frankieweenie conta a estória de um garoto que ressuscita seu cão morto, em um procedimento à la Frankestein. É certo que a Disney adorou os trabalhos de Burton, todavia, não achou conveniente exibi-lo às crianças.
Mas o trabalho despendido em Frankieweenie gerou frutos. O ator, produtor e diretor Paul Reubens gostou tanto do curta, que chamou Burton para dirigir As grandes aventuras de Pee Wee (1985). No filme, Reubens interpretou seu alter-ego Peewee Herman. As aventuras... foi o primeiro filme dirigido pelo cineasta lançado em circuito aberto, e já leva o traço característico de Tim Burton: humor irreverente e negro, combinado com estética dark. Também conta com a trilha sonora de Danny Elfman, que viria a ser um parceiro do diretor.
No mesmo ano, Burton trabalhou no curta animado Family Dog, parte de uma serie produzida por Steven Spielberg. Em 1988, é lançado o primeiro sucesso: Os fantasmas se divertem. Um ano após, o herói mais sombrio das histórias em quadrinhos aparece nas telas – Batman (1989). O filme se tornou um verdadeiro blockbuster, e consolidou a fama de Tim Burton. Edward - Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands, 1990) é absolutamente mais pessoal que Batman. Lançou como galã o ator Johnny Depp e firmou uma parceria bastante produtiva entre o ator e Burton.
A seqüência Batman – O Retorno (1992) é mais dark que o primeiro filme. O trabalho, apesar de mais criativo, não agradou a Warner, que havia depositado confiança em Burton depois de Batman. A película também não arrecadou bem na bilheteria. Burton, porém, volta com força total em O estranho mundo de Jack (1993), um desenho em stop-motion tremendamente peculiar. No ano seguinte, o mais divertido e diferente dos filmes, Ed Wood (1994), sucesso de crítica e fracasso de público, fala sobre a carreira do considerado “o pior diretor de todos os tempos”, Ed Wood.
Marte Ataca! (1996) passa do terror à ficção cientifica. O filme achincalhou a megalomania norte-americana e foi incompreendido pelos espectadores, fracassando nas bilheterias. Essa temática de crítica aos hábitos dos Estados Unidos vai se repetir, contudo, camuflada em meio às sombras e ao humor.
Três anos após, é lançado um dos filmes mais bem criticados e apreciados pelos espectadores: A lenda do cavaleiro sem cabeça (1999). O filme mais sombrio do cineasta, A lenda... reinterpreta um clássico de Washington Irving, já filmado pela Disney em 1949. Seguiu-se O planeta dos macacos (2001), também com críticas à superioridade humana.
Peixe grande e suas historias maravilhosas (2003) é um dos sucessos de Tim Burton. Considerada a obra-prima do cineasta, Peixe grande é uma fábula que fala sobre as relações em família e a necessidade de sonhar. Melancólica e onírica, a película tem atmosfera especial, sem deixar de lado algumas cenas obscuras. O ano de 2005 reservou dois novos filmes: A fantástica fábrica de chocolates e A noiva cadáver. O primeiro, uma refilmagem da película homônima de 1971, mistura visual colorido e personagens esquisitos – destaque para o andrógino Willy Wonka de Johnny Depp - com reflexões sobre os norte-americanos e seus hábitos. Já Noiva cadáver é outro stop-motion de Burton elevado ao máximo: a noiva em decomposição e todos os seres do além reunidos, junto com todo a névoa cinzenta de uma cidade européia.
Frankieweenie
É um curta-metragem de aproximadamente meia hora, em preto e branco. Conta a estória de um menino cujo cão morre atropelado. Em cena sinistra, o animal sofre o atropelamento; mas
não aparece morto, de fato. Permanece o suspense no ar: escuta-se, somente, os gritos do garoto. O menino, de sobrenome bem sugestivo (Frankestein), resolve, desolado, dar vida de volta a seu animal. Vai ao “cemitério dos animais”, desenterra o cachorro e o faz renascer. No final, temos um animal remendado com linha, composto de partes diferentes. A cena derradeira é de uma referência ao clássico Frankestein – um moinho de vento pegando fogo.
Essa temática “frankesteiniana” é muito comum em Burton. Em vários filmes ela se repetirá. A movimentação de câmera também se repete. A câmera subjetiva é usada, denotando o olhar do cachorro. Há uma tomada em que o olhar do animal passa rente ao chão, e o espectador quase sente o calor do asfalto. Os cortes são bem mais freqüentes nas cenas de suspense. Na cena do moinho, por exemplo, a agitação se reflete na constância dos cortes. O olhar do espectador é dirigido, pois, do contrário, perde-se a tensão. É necessária, ao mesmo tempo, uma identificação por parte do espectador para que o filme funcione. Daí, a recorrência das câmeras subjetivas. A estética do(s) filme(s) é, com certeza, baseada no Expressionismo, principalmente nesta obra, por ser em preto e branco: jogo de luz e sombras, fumaça, neblina.
Arza (2004) faz uma reflexão a respeito do uso do Expressionismo em Tim Burton. Segundo o autor, o emprego tem dois propósitos principais: “por um lado, como estilo decorativo e fotográfico: as luzes e as sombras, a utilização cenográfica e certo exagero da maquiagem” (p.15) e, por outro, para “refletir visualmente o conflito interior de seus heróis, imersos em universos desenhados exclusivamente para eles”. (p.17). Com efeito, os personagens burtianos, seres deslocados da sociedade, vivem em constante conflito. O que a coletividade enxerga nada mais é que traços ínfimos de personalidades admiráveis.
Os fantasmas se divertem
Neste filme, a temática do sobrenatural é abordada através da morte dos protagonistas (!) logo no início, provocada por um acidente de carro. Os dois fantasmas desejam continuar em casa, mas logo chegam outros moradores. Agora, eles terão de assombrá-los a fim de reaver a propriedade. A identificação com o casal-fantasma é inevitável. É o que Burton gosta de fazer, segundo Arza (2004): “outorgar um status mais humano do que personagens de aparência normal, em intenção de reivindicar humanidade de seres marginalizados e incompreendidos pela sociedade” (p.17).
Na primeira cena, temos um travelling longo em maquete, em câmera subjetiva. Esse movimento de câmera, como se estivesse procurando algo, é uma máxima nas aberturas dos filmes burtianos. Na realidade, esse plano-sequência é espirituoso, porque se percebe com nitidez que se trata de uma maquete, não de uma cidade. Depois, o espectador entende que a intenção de Burton era essa, pois se trata verdadeiramente de uma maquete no filme. A câmera sai desse espaço fictício e entra “no filme” de fato. O resultado é uma surpresa. A câmera que engana também é uma recorrência nos filmes do diretor; ele adora surpreender o público.
A estética mistura toques expressionistas e surrealistas. O Surrealismo aqui é usado com recorrência – há cenas nas quais se parece estar dentro de um quadro do Salvador Dali. Objetos flutuantes, minhocas gigantes que nadam na areia, figuras antropozoomórficas.
Batman
O mega-sucesso de Tim Burton é, sem dúvida, o primeiro filme do Batman. Nunca a Gotham City foi tão assustadora, abarrotada de uma névoa constante que não deixa a desejar os livros de Allan Poe. Batman é um filme comercial, claro, mas tem a marca de Tim Burton do começo ao fim. O humor negro do Coringa, o herói problemático e vingativo, a donzela de branco (outra recorrência do cineasta). O filme começa com música de Danny Elfman, que virou marca-registrada do homem-morcego. A câmera em travelling extenso parece procurar / seguir algo.
Os cortes são mais freqüentes nas cenas de ação, quando Batman luta. A passagem para os flashbacks ocorre sem fusão. A câmera enquadra os ambientes e depois segue à procura do personagem; é rara câmera parada. Elas só ocorrem para enquadrar o ambiente. Nos diálogos, a câmera faz o contraponto entre um e outro. Tomadas de perfis são raras. O olhar através da janela é recorrente. Aí, sempre se tem dois planos. Lentamente, a câmera se move e atravessa a janela. Na finalização das cenas, a personagem sai antes do corte. Burton também usa bastante o plongée e o contra-plongée. No contra- plongée, enquadra o rosto do Batman, do tórax para cima, dando-lhe um aspecto elevado. No plongée, é o olhar do Batman. No final, há duas cenas de quedas. É interessante perceber como Burton as filma. Quando o Coringa cai, a câmera filma de cima para baixo – distanciamento. Quando caem Batman e a donzela, a câmera acompanha em travelling a queda – é como se o espectador também estivesse caindo.
Edward – mãos de tesoura
Feito há mais de quinze anos, Edward... continua a ser um fábula moderna. O filme mostra a história de Edward, um rapaz criado por um cientista – outra referência a Frankestein. O inventor morre antes de colocar mãos em Edward, que, por isso, tem as tesouras. Edward vive isolado num castelo cheio de engenharias, invenções estranhas, até que Peg, uma vendedora de cosméticos, resgata-o e o leva para viver em sua casa.
Edward agora terá de enfrentar os vizinhos e a sociedade. A vila onde vai morar é bem colorida.. É um contraste entre a palidez de Edward e o castelo negro (oposição entre cores é recorrente em Burton, e, segundo Marcos Arza (2004), simboliza a felicidade e normalidade em embate com a estranheza e pessimismo). Na verdade, percebe-se um tom muito particular no filme. Edward foi um personagem criado por Burton na adolescência, daí o apuro que se percebe em toda a película. Antes de falar sobre recorrências formais, é conveniente discursar mais um pouco sobre a peculiaridade deste filme.
Não existe crítica à primeira vista. Mas, aos poucos, nota-se elementos que se chocam: a religiosidade de uma (caracterizada como maluca), a leviandade de outra, a ingenuidade do Edward, a apatia do marido de Peg, o maquiavelismo do namorado da mocinha. O único equilíbrio, ali, é Kim, que representa o amor de Edward. Ela está de branco nos momentos cruciais, dança na neve (a neve é fundamental nos filmes de Burton. Ela por vezes abre os filmes ou os finaliza) e conta a estória. O filme é, de fato, é em espiral: a vovó Kim conta a história de Edward a sua neta. Enfim, Edward é um ser anti-social, desprezado e julgado por sua aparência. Burton gosta de mexer com a suposta normalidade americana, daí porque seus heróis são sempre estranhos.
As recorrências formais são as mesmas de Batman: travelling longo no começo, em câmera subjetiva, o olhar através da janela, enquadramento clássico dos ambientes, personagem sai de cena antes do corte, plongée em Edward. Temos aqui o flashback com fusão, diferentemente de Batman. O filme começa com uma porta se abrindo (outra recorrência). A trucagem proveniente do travelling em maquete acontece por vezes, quando a intenção é a visão aérea da cidade. Na cena final, quando Edward não consegue vencer o desafio de viver em sociedade e retorna ao castelo, acontece um plongée e contra-plongée seguidos – Edward olha da janela para baixo; depois, a câmera devolve o olhar.
Batman – o retorno
O segundo filme do Batman não foi bem-sucedido, ao menos comercialmente. A Warner, depois da aclamação do primeiro, deu a Burton total liberdade criativa. O resultado é que Batman – O Retorno é ainda mais sombrio e carregado que Batman. A marca de Burton, do expressionismo, exprime-se na escuridão, na neblina, nas sombras, na floresta cheia de arbustos, nos vilões como o Pingüim e a Mulher-Gato. Burton faz contraponto entre o que é convenção e o que não é em Gotham City, do mesmo modo que o fez em Edward... Grosso modo, Edward e o Pingüim se parecem, ambos rejeitados por serem criaturas incomuns. Há uma cena no começo do filme que mostra isso. O bebê Pingüim passeia com os pais pelo parque, em um carrinho todo preto. Ao lado, passa um casal com um bebê normal, dentro de um carrinho branco (branco x preto, claro x escuro, bom x mal).
Nesse filme, há algumas cenas com perspectivas de fundo, como a que o bat-móvel corre pelas ruas. De cena a cena, Burton prefere as fusões aos cortes. Visão por entre a janela, contra-plongée, câmera brinca, planos subjetivos refletem o olhar do herói. Uma nova recorrência temática aparece: os palhaços, em Burton, são retratados como vilões. Quando Selina, futura Mulher-Gato, é empurrada da janela, a queda é filmada de modo diferente. A câmera não é usada subjetivamente; acompanha o rosto da personagem em plongée. No final temos a Mulher-Gato. Ela é filmada num travelling comprido, vertical.
O estranho mundo de Jack
Desenho em stop-motion, ...Jack recebeu críticas positivas. Basicamente um musical, o desenho conta a história do mundo do Halloween, cujo rei é o Jack Esqueleto (personagem também inventado por Burton). Caindo no mundo do Natal, ele acha tudo maravilhoso e decide tomar o lugar do Papai Noel. Está criada a trama, que se passa numa cidade cheia de personagens esquisitões do Halloween – uma boneca que se descostura toda, inventada por um doutor Frankestein, um prefeito parecido com O Médico e o Monstro, vampiros, palhaços sinistros, lobisomens. Jack é uma mistura de herói com bandido e adora inventar coisas. Foi mesmo uma grande oportunidade para Burton exercitar, sem limites, seu poder de criatividade. Sobre recorrências formais, o filme apresenta menos cortes, mais travellings dançantes (principalmente, nas partes das músicas) e nenhuma câmera subjetiva. O olhar através da janela permanece. Muito curioso é o contraste feito entre o mundo do Natal (colorido, iluminado, os duendes muito bonitinhos e alegres) e o mundo do Halloween (feio, escuro, nublado).
Ed Wood
Ed Wood, um interessante filme sobre o ‘pior diretor de todos os tempos’, Edward D. Wood Jr, foi injustiçado na época do lançamento. Ed Wood nada mais é que uma homenagem ao Ed Wood: é um filme metalingüístico, divertidíssimo e bem feito. A abertura é totalmente expressionista, a partir da escolha da película preto e branca: porta se abre, um castelo fantasmagórico com um caixão de vampiro, que se levanta e se dispõe a contar a narrativa. A câmera se desloca num travelling bem longo, filmando os túmulos dos atores. Depois, debaixo da chuva, filma o jardim. Temos agora um lago. A câmera submersa pousa o olhar num polvo gigantesco. O céu está repleto de discos voadores.
Ao contar a história da vida de um homem como Ed Wood, que não era de maneira alguma perfeccionista (tinha o hábito de filmar, por exemplo, discos voadores pendurados em cordões), Tim Burton se realiza. Os filmes de Burton, pois, podem até tematizar o sobrenatural, mas sempre há o toque irônico, cômico que acaba por torná-los distintos, marcas pessoais do autor: o que Arza (2004) chama autoria pós-moderna.
A dominante do filme é a câmera de baixo para cima, seguida do movimento de cima para baixo. Burton gosta de enquadrar o rosto dos atores, e isso é recorrente em Ed Wood. Temos mais a câmera parada.Os travellings são, em sua maioria, curtos. Um travelling bem longo é o da cena final do filme, quando Ed Wood vai à première de sua obra Plano 9 do espaço sideral. À medida que ele corre, a câmera vai viajando, deixando para trás uma boa perspectiva de fundo. Também há uma conversa de perfil (raro em Burton). Fusões bem delicadas entre cenas, ou cortes não tão bruscos. O filme acaba em travelling vertical (como a grande maioria das películas do cineasta) exatamente como começa; é outra construção em espiral.
A lenda do cavaleiro sem cabeça
O filme mais gótico do diretor, A lenda... é repleto de suspense e expressionismo. Os cenários escuros, a iluminação contrastante, sombras, neblina, galhas secas, casas envelhecidas, figuras de halloween, espantalhos. A história é sobre um cavaleiro sem cabeça, que está decapitando pessoas em Sleep Hollow. Para investigar os assassinatos, é enviado o cético detetive Ichabod Crane. O desejo de Burton é que o espectador entre no filme, daí, a utilização recorrente das câmeras subjetivas. Ichabod é um detetive-inventor (novamente a temática da invenção), usa experimentos estranhos.
As únicas cenas em que a cor se mostra são os flashbacks nos quais Ichabod se lembra da infância. A mãe dele, debaixo de uma chuva de pétalas, tal qual a Kim de Edward... debaixo da neve. A cor também é muito mais luminosa no final, quando o cavaleiro volta para as trevas. É um happy-end completo. A temática do final feliz é sempre cultivada (Batman I e II, Os fantasmas se divertem, o Estranho mundo de Jack ...). Katrina Van Tessel, o amor de Ichabod, sempre está vestida de branco.
Formalmente, o filme mostra uma boa freqüência de cortes, perspectivas de fundo, às vezes fusão para flashback, olhar através da janela. A câmera nunca está parada muito tempo. Travellings nas fugas a cavalo.
Peixe grande e suas histórias maravilhosas
Considerada, até o momento, a obra-prima de Tim Burton, Peixe é um filme sobre a relação entre pai e filho e os benefícios de quem sonha. Burton sai da sombriedade dos filmes anteriores para algo mais leve, imaginativo e colorido. Essa é a história de um homem chamado Edward Bloom, que adora contar casos, na maioria das vezes, impossíveis de terem acontecido. Seu filho Will já sabe as histórias decoradas, e, agora que seu pai está em estado terminal, deseja saber o que realmente aconteceu.
As histórias de Edward misturam cenários góticos de bruxas, aranhas gigantes e lobisomens com o colorido do circo, a magia de gêmeas siamesas, gigantes e de uma cidade perfeita e um grande peixe que ninguém consegue pescar. Unicamente, neste filme, Burton dá predileção a cenários mais iluminados.
Há muitas tomadas cheias de fantasia. Mas a cena mais bonita é a do carro submerso. É incrível como certas coisas impossíveis parecem reais no filme. A identificação com fatos tão extravagantes indica que Burton se aperfeiçoa a cada filme.
Peixe Grande apresenta poucos cortes. A câmera por vezes pára, vai, volta. Os travellings são curtos, mas ainda há o plano-seqüência. A perspectiva de fundo também aparece, principalmente quando o personagem caminha. Alguns flashbacks têm fusão.
A noiva cadáver
Esta animação feita com bonecos de massa apresenta outro tema sobrenatural – o casamento entre um jovem e uma moça morta -, mas é realizada de maneira que o sombrio seja visto de uma maneira amável. Os personagens do além são retratados com cores alegres, enquanto que os moradores vivos e a cidade onde moram recebem textura cinzenta e aspecto cadavérico. Quando vivas, as pessoas são tristes; a morte, de fato, aqui, é uma reviravolta que concede à existência uma oportunidade de diversão a toda hora. Os vivos são antipáticos; os mortos, caridosos e risonhos. O apego de Tim Burton aos temas transcendentais se revela nessa abordagem em que estar morto é melhor opção.
A movimentação de câmera obedece aos parâmetros apresentados: no início, travelling longo atrás de uma borboleta; o olhar através da janela; o uso do plongée para denotar superioridade do personagem; detalhes e cortes rápidos.
Conclusão
Analisados os principais filmes de Tim Burton, tem-se agora um panorama mais claro sobre suas recorrências estéticas e formais. No plano estético, tem-se a temática Expressionista, fantástica, sobrenatural; névoa, neblina, fumaça; preto x branco / luz x sombra; surrealismo; terror cômico; humor irreverente; paródia a filmes de terror, homenagem a atores desses filmes; heróis problemáticos, estranhos e incompreendidos – o anti-herói; mocinhas vestidas de branco; uso de invenções / experimentos esdrúxulos; contraponto entre sombrio e colorido; happy end; figuras de halloween, personagens bizarros; predileção pela contratação dos mesmos atores.
No plano formal, apresentam-se os cortes bruscos nas cenas de suspense / ação; plongée e contra-plongée; trucagem em maquete; perspectiva de fundo; filme começa com travelling horizontal e termina com travelling vertical; fusão para flashback; imagem por trás da janela; travellings curtos para enquadramento; cortes nos diálogos – contraponto entre interlocutores; câmera subjetiva; construção em espiral e câmera que brinca com o espectador.
Bibliografia
LAURENT, Tirard. Grandes diretores de cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
ARZA, M. Marcos. Tim Burton. Madrid: Cátedra, 2004. Colección Signo e Imagen.
[1] In: http://www.stopmotionanimation.com/
(Tim Burton (2002))
A citação acima justifica a elaboração deste ensaio. O próprio cineasta reconhece; as recorrências são inúmeras em sua obra, e o presente texto tem por objetivo desvelá-las. Arza (2004) notou o “cinema autoral” (p.11) característico da obra de Tim Burton. Segundo o teórico, os filmes burtianos se apresentam “em primeira pessoa, no qual o cineasta trata de mostrar suas preocupações, interesses, mundo interior, opções estéticas”(p.13).
Dessa forma, Marcos Arza aloca Tim Burton no rol dos cineastas de “autoria pós-moderna”, segundo ele, de uma indubitável autonomia, mas, ao mesmo tempo, que respeitam a estrutura da industria cinematográfica. Burton é cineasta hollywoodiano, mas impõe estética pessoal em filmes para o grande público.
Para se desvelar tais características, foram selecionados os principais filmes e curtas-metragens do diretor – mediante critério de apreciação de público e crítica – para, a partir da análise de cada obra separada, serem elencadas as recorrências estéticas – predileção temática – e formais – movimentação de câmera. Juízos de valor, pois, serão apenas pontuados; de fato, a crítica não deve ser vista como foco deste texto.
Num primeiro momento, será apresentada, de maneira concisa, a biografia de Burton; num segundo momento, a seleção fílmica entra em pauta, e, por último, será apresentada uma conclusão, com vistas a resumir as principais descobertas desta análise.
É importante ressaltar, ainda, que este ensaio é fruto de uma análise majoritariamente pessoal. É interessante que se continue a investigar a obra burtiana: muitas características devem ter passado despercebidas, e fica aqui o incentivo para que se prossiga com a investigação.
O Cineasta
A trajetória de Tim Burton como cineasta tem reminiscências na infância, quando já tinha predileção por estórias e filmes de horror. Logo começa a desenvolver suas próprias narrativas, repletas das influências provocadas por essa afeição, e criar alguns personagens. Todos eles, de fato, refletem o gosto pelo sombrio, pelo gótico e pelo peculiar. Burton também gostava de desenhar, e decide seguir carreira como animador, depois de estudar na California Instituts of Arts.
O talento do autor o leva a trabalhar – ironia – nos estúdios da Disney. Comprovada a habilidade, é-lhe creditada a confiança de dirigir dois curtas: Vincent (1982) e Frankieweenie (1984). Vincent, um desenho animado em stop-motion[1] (ou animação quadro-a-quadro, um tipo de efeito-especial que deixa o desenho mais realista. Os personagens parecem bonecos feitos de massa), já deixa transparecer o estilo burtiano.
Frankieweenie conta a estória de um garoto que ressuscita seu cão morto, em um procedimento à la Frankestein. É certo que a Disney adorou os trabalhos de Burton, todavia, não achou conveniente exibi-lo às crianças.
Mas o trabalho despendido em Frankieweenie gerou frutos. O ator, produtor e diretor Paul Reubens gostou tanto do curta, que chamou Burton para dirigir As grandes aventuras de Pee Wee (1985). No filme, Reubens interpretou seu alter-ego Peewee Herman. As aventuras... foi o primeiro filme dirigido pelo cineasta lançado em circuito aberto, e já leva o traço característico de Tim Burton: humor irreverente e negro, combinado com estética dark. Também conta com a trilha sonora de Danny Elfman, que viria a ser um parceiro do diretor.
No mesmo ano, Burton trabalhou no curta animado Family Dog, parte de uma serie produzida por Steven Spielberg. Em 1988, é lançado o primeiro sucesso: Os fantasmas se divertem. Um ano após, o herói mais sombrio das histórias em quadrinhos aparece nas telas – Batman (1989). O filme se tornou um verdadeiro blockbuster, e consolidou a fama de Tim Burton. Edward - Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands, 1990) é absolutamente mais pessoal que Batman. Lançou como galã o ator Johnny Depp e firmou uma parceria bastante produtiva entre o ator e Burton.
A seqüência Batman – O Retorno (1992) é mais dark que o primeiro filme. O trabalho, apesar de mais criativo, não agradou a Warner, que havia depositado confiança em Burton depois de Batman. A película também não arrecadou bem na bilheteria. Burton, porém, volta com força total em O estranho mundo de Jack (1993), um desenho em stop-motion tremendamente peculiar. No ano seguinte, o mais divertido e diferente dos filmes, Ed Wood (1994), sucesso de crítica e fracasso de público, fala sobre a carreira do considerado “o pior diretor de todos os tempos”, Ed Wood.
Marte Ataca! (1996) passa do terror à ficção cientifica. O filme achincalhou a megalomania norte-americana e foi incompreendido pelos espectadores, fracassando nas bilheterias. Essa temática de crítica aos hábitos dos Estados Unidos vai se repetir, contudo, camuflada em meio às sombras e ao humor.
Três anos após, é lançado um dos filmes mais bem criticados e apreciados pelos espectadores: A lenda do cavaleiro sem cabeça (1999). O filme mais sombrio do cineasta, A lenda... reinterpreta um clássico de Washington Irving, já filmado pela Disney em 1949. Seguiu-se O planeta dos macacos (2001), também com críticas à superioridade humana.
Peixe grande e suas historias maravilhosas (2003) é um dos sucessos de Tim Burton. Considerada a obra-prima do cineasta, Peixe grande é uma fábula que fala sobre as relações em família e a necessidade de sonhar. Melancólica e onírica, a película tem atmosfera especial, sem deixar de lado algumas cenas obscuras. O ano de 2005 reservou dois novos filmes: A fantástica fábrica de chocolates e A noiva cadáver. O primeiro, uma refilmagem da película homônima de 1971, mistura visual colorido e personagens esquisitos – destaque para o andrógino Willy Wonka de Johnny Depp - com reflexões sobre os norte-americanos e seus hábitos. Já Noiva cadáver é outro stop-motion de Burton elevado ao máximo: a noiva em decomposição e todos os seres do além reunidos, junto com todo a névoa cinzenta de uma cidade européia.
Frankieweenie
É um curta-metragem de aproximadamente meia hora, em preto e branco. Conta a estória de um menino cujo cão morre atropelado. Em cena sinistra, o animal sofre o atropelamento; mas
não aparece morto, de fato. Permanece o suspense no ar: escuta-se, somente, os gritos do garoto. O menino, de sobrenome bem sugestivo (Frankestein), resolve, desolado, dar vida de volta a seu animal. Vai ao “cemitério dos animais”, desenterra o cachorro e o faz renascer. No final, temos um animal remendado com linha, composto de partes diferentes. A cena derradeira é de uma referência ao clássico Frankestein – um moinho de vento pegando fogo.
Essa temática “frankesteiniana” é muito comum em Burton. Em vários filmes ela se repetirá. A movimentação de câmera também se repete. A câmera subjetiva é usada, denotando o olhar do cachorro. Há uma tomada em que o olhar do animal passa rente ao chão, e o espectador quase sente o calor do asfalto. Os cortes são bem mais freqüentes nas cenas de suspense. Na cena do moinho, por exemplo, a agitação se reflete na constância dos cortes. O olhar do espectador é dirigido, pois, do contrário, perde-se a tensão. É necessária, ao mesmo tempo, uma identificação por parte do espectador para que o filme funcione. Daí, a recorrência das câmeras subjetivas. A estética do(s) filme(s) é, com certeza, baseada no Expressionismo, principalmente nesta obra, por ser em preto e branco: jogo de luz e sombras, fumaça, neblina.
Arza (2004) faz uma reflexão a respeito do uso do Expressionismo em Tim Burton. Segundo o autor, o emprego tem dois propósitos principais: “por um lado, como estilo decorativo e fotográfico: as luzes e as sombras, a utilização cenográfica e certo exagero da maquiagem” (p.15) e, por outro, para “refletir visualmente o conflito interior de seus heróis, imersos em universos desenhados exclusivamente para eles”. (p.17). Com efeito, os personagens burtianos, seres deslocados da sociedade, vivem em constante conflito. O que a coletividade enxerga nada mais é que traços ínfimos de personalidades admiráveis.
Os fantasmas se divertem
Neste filme, a temática do sobrenatural é abordada através da morte dos protagonistas (!) logo no início, provocada por um acidente de carro. Os dois fantasmas desejam continuar em casa, mas logo chegam outros moradores. Agora, eles terão de assombrá-los a fim de reaver a propriedade. A identificação com o casal-fantasma é inevitável. É o que Burton gosta de fazer, segundo Arza (2004): “outorgar um status mais humano do que personagens de aparência normal, em intenção de reivindicar humanidade de seres marginalizados e incompreendidos pela sociedade” (p.17).
Na primeira cena, temos um travelling longo em maquete, em câmera subjetiva. Esse movimento de câmera, como se estivesse procurando algo, é uma máxima nas aberturas dos filmes burtianos. Na realidade, esse plano-sequência é espirituoso, porque se percebe com nitidez que se trata de uma maquete, não de uma cidade. Depois, o espectador entende que a intenção de Burton era essa, pois se trata verdadeiramente de uma maquete no filme. A câmera sai desse espaço fictício e entra “no filme” de fato. O resultado é uma surpresa. A câmera que engana também é uma recorrência nos filmes do diretor; ele adora surpreender o público.
A estética mistura toques expressionistas e surrealistas. O Surrealismo aqui é usado com recorrência – há cenas nas quais se parece estar dentro de um quadro do Salvador Dali. Objetos flutuantes, minhocas gigantes que nadam na areia, figuras antropozoomórficas.
Batman
O mega-sucesso de Tim Burton é, sem dúvida, o primeiro filme do Batman. Nunca a Gotham City foi tão assustadora, abarrotada de uma névoa constante que não deixa a desejar os livros de Allan Poe. Batman é um filme comercial, claro, mas tem a marca de Tim Burton do começo ao fim. O humor negro do Coringa, o herói problemático e vingativo, a donzela de branco (outra recorrência do cineasta). O filme começa com música de Danny Elfman, que virou marca-registrada do homem-morcego. A câmera em travelling extenso parece procurar / seguir algo.
Os cortes são mais freqüentes nas cenas de ação, quando Batman luta. A passagem para os flashbacks ocorre sem fusão. A câmera enquadra os ambientes e depois segue à procura do personagem; é rara câmera parada. Elas só ocorrem para enquadrar o ambiente. Nos diálogos, a câmera faz o contraponto entre um e outro. Tomadas de perfis são raras. O olhar através da janela é recorrente. Aí, sempre se tem dois planos. Lentamente, a câmera se move e atravessa a janela. Na finalização das cenas, a personagem sai antes do corte. Burton também usa bastante o plongée e o contra-plongée. No contra- plongée, enquadra o rosto do Batman, do tórax para cima, dando-lhe um aspecto elevado. No plongée, é o olhar do Batman. No final, há duas cenas de quedas. É interessante perceber como Burton as filma. Quando o Coringa cai, a câmera filma de cima para baixo – distanciamento. Quando caem Batman e a donzela, a câmera acompanha em travelling a queda – é como se o espectador também estivesse caindo.
Edward – mãos de tesoura
Feito há mais de quinze anos, Edward... continua a ser um fábula moderna. O filme mostra a história de Edward, um rapaz criado por um cientista – outra referência a Frankestein. O inventor morre antes de colocar mãos em Edward, que, por isso, tem as tesouras. Edward vive isolado num castelo cheio de engenharias, invenções estranhas, até que Peg, uma vendedora de cosméticos, resgata-o e o leva para viver em sua casa.
Edward agora terá de enfrentar os vizinhos e a sociedade. A vila onde vai morar é bem colorida.. É um contraste entre a palidez de Edward e o castelo negro (oposição entre cores é recorrente em Burton, e, segundo Marcos Arza (2004), simboliza a felicidade e normalidade em embate com a estranheza e pessimismo). Na verdade, percebe-se um tom muito particular no filme. Edward foi um personagem criado por Burton na adolescência, daí o apuro que se percebe em toda a película. Antes de falar sobre recorrências formais, é conveniente discursar mais um pouco sobre a peculiaridade deste filme.
Não existe crítica à primeira vista. Mas, aos poucos, nota-se elementos que se chocam: a religiosidade de uma (caracterizada como maluca), a leviandade de outra, a ingenuidade do Edward, a apatia do marido de Peg, o maquiavelismo do namorado da mocinha. O único equilíbrio, ali, é Kim, que representa o amor de Edward. Ela está de branco nos momentos cruciais, dança na neve (a neve é fundamental nos filmes de Burton. Ela por vezes abre os filmes ou os finaliza) e conta a estória. O filme é, de fato, é em espiral: a vovó Kim conta a história de Edward a sua neta. Enfim, Edward é um ser anti-social, desprezado e julgado por sua aparência. Burton gosta de mexer com a suposta normalidade americana, daí porque seus heróis são sempre estranhos.
As recorrências formais são as mesmas de Batman: travelling longo no começo, em câmera subjetiva, o olhar através da janela, enquadramento clássico dos ambientes, personagem sai de cena antes do corte, plongée em Edward. Temos aqui o flashback com fusão, diferentemente de Batman. O filme começa com uma porta se abrindo (outra recorrência). A trucagem proveniente do travelling em maquete acontece por vezes, quando a intenção é a visão aérea da cidade. Na cena final, quando Edward não consegue vencer o desafio de viver em sociedade e retorna ao castelo, acontece um plongée e contra-plongée seguidos – Edward olha da janela para baixo; depois, a câmera devolve o olhar.
Batman – o retorno
O segundo filme do Batman não foi bem-sucedido, ao menos comercialmente. A Warner, depois da aclamação do primeiro, deu a Burton total liberdade criativa. O resultado é que Batman – O Retorno é ainda mais sombrio e carregado que Batman. A marca de Burton, do expressionismo, exprime-se na escuridão, na neblina, nas sombras, na floresta cheia de arbustos, nos vilões como o Pingüim e a Mulher-Gato. Burton faz contraponto entre o que é convenção e o que não é em Gotham City, do mesmo modo que o fez em Edward... Grosso modo, Edward e o Pingüim se parecem, ambos rejeitados por serem criaturas incomuns. Há uma cena no começo do filme que mostra isso. O bebê Pingüim passeia com os pais pelo parque, em um carrinho todo preto. Ao lado, passa um casal com um bebê normal, dentro de um carrinho branco (branco x preto, claro x escuro, bom x mal).
Nesse filme, há algumas cenas com perspectivas de fundo, como a que o bat-móvel corre pelas ruas. De cena a cena, Burton prefere as fusões aos cortes. Visão por entre a janela, contra-plongée, câmera brinca, planos subjetivos refletem o olhar do herói. Uma nova recorrência temática aparece: os palhaços, em Burton, são retratados como vilões. Quando Selina, futura Mulher-Gato, é empurrada da janela, a queda é filmada de modo diferente. A câmera não é usada subjetivamente; acompanha o rosto da personagem em plongée. No final temos a Mulher-Gato. Ela é filmada num travelling comprido, vertical.
O estranho mundo de Jack
Desenho em stop-motion, ...Jack recebeu críticas positivas. Basicamente um musical, o desenho conta a história do mundo do Halloween, cujo rei é o Jack Esqueleto (personagem também inventado por Burton). Caindo no mundo do Natal, ele acha tudo maravilhoso e decide tomar o lugar do Papai Noel. Está criada a trama, que se passa numa cidade cheia de personagens esquisitões do Halloween – uma boneca que se descostura toda, inventada por um doutor Frankestein, um prefeito parecido com O Médico e o Monstro, vampiros, palhaços sinistros, lobisomens. Jack é uma mistura de herói com bandido e adora inventar coisas. Foi mesmo uma grande oportunidade para Burton exercitar, sem limites, seu poder de criatividade. Sobre recorrências formais, o filme apresenta menos cortes, mais travellings dançantes (principalmente, nas partes das músicas) e nenhuma câmera subjetiva. O olhar através da janela permanece. Muito curioso é o contraste feito entre o mundo do Natal (colorido, iluminado, os duendes muito bonitinhos e alegres) e o mundo do Halloween (feio, escuro, nublado).
Ed Wood
Ed Wood, um interessante filme sobre o ‘pior diretor de todos os tempos’, Edward D. Wood Jr, foi injustiçado na época do lançamento. Ed Wood nada mais é que uma homenagem ao Ed Wood: é um filme metalingüístico, divertidíssimo e bem feito. A abertura é totalmente expressionista, a partir da escolha da película preto e branca: porta se abre, um castelo fantasmagórico com um caixão de vampiro, que se levanta e se dispõe a contar a narrativa. A câmera se desloca num travelling bem longo, filmando os túmulos dos atores. Depois, debaixo da chuva, filma o jardim. Temos agora um lago. A câmera submersa pousa o olhar num polvo gigantesco. O céu está repleto de discos voadores.
Ao contar a história da vida de um homem como Ed Wood, que não era de maneira alguma perfeccionista (tinha o hábito de filmar, por exemplo, discos voadores pendurados em cordões), Tim Burton se realiza. Os filmes de Burton, pois, podem até tematizar o sobrenatural, mas sempre há o toque irônico, cômico que acaba por torná-los distintos, marcas pessoais do autor: o que Arza (2004) chama autoria pós-moderna.
A dominante do filme é a câmera de baixo para cima, seguida do movimento de cima para baixo. Burton gosta de enquadrar o rosto dos atores, e isso é recorrente em Ed Wood. Temos mais a câmera parada.Os travellings são, em sua maioria, curtos. Um travelling bem longo é o da cena final do filme, quando Ed Wood vai à première de sua obra Plano 9 do espaço sideral. À medida que ele corre, a câmera vai viajando, deixando para trás uma boa perspectiva de fundo. Também há uma conversa de perfil (raro em Burton). Fusões bem delicadas entre cenas, ou cortes não tão bruscos. O filme acaba em travelling vertical (como a grande maioria das películas do cineasta) exatamente como começa; é outra construção em espiral.
A lenda do cavaleiro sem cabeça
O filme mais gótico do diretor, A lenda... é repleto de suspense e expressionismo. Os cenários escuros, a iluminação contrastante, sombras, neblina, galhas secas, casas envelhecidas, figuras de halloween, espantalhos. A história é sobre um cavaleiro sem cabeça, que está decapitando pessoas em Sleep Hollow. Para investigar os assassinatos, é enviado o cético detetive Ichabod Crane. O desejo de Burton é que o espectador entre no filme, daí, a utilização recorrente das câmeras subjetivas. Ichabod é um detetive-inventor (novamente a temática da invenção), usa experimentos estranhos.
As únicas cenas em que a cor se mostra são os flashbacks nos quais Ichabod se lembra da infância. A mãe dele, debaixo de uma chuva de pétalas, tal qual a Kim de Edward... debaixo da neve. A cor também é muito mais luminosa no final, quando o cavaleiro volta para as trevas. É um happy-end completo. A temática do final feliz é sempre cultivada (Batman I e II, Os fantasmas se divertem, o Estranho mundo de Jack ...). Katrina Van Tessel, o amor de Ichabod, sempre está vestida de branco.
Formalmente, o filme mostra uma boa freqüência de cortes, perspectivas de fundo, às vezes fusão para flashback, olhar através da janela. A câmera nunca está parada muito tempo. Travellings nas fugas a cavalo.
Peixe grande e suas histórias maravilhosas
Considerada, até o momento, a obra-prima de Tim Burton, Peixe é um filme sobre a relação entre pai e filho e os benefícios de quem sonha. Burton sai da sombriedade dos filmes anteriores para algo mais leve, imaginativo e colorido. Essa é a história de um homem chamado Edward Bloom, que adora contar casos, na maioria das vezes, impossíveis de terem acontecido. Seu filho Will já sabe as histórias decoradas, e, agora que seu pai está em estado terminal, deseja saber o que realmente aconteceu.
As histórias de Edward misturam cenários góticos de bruxas, aranhas gigantes e lobisomens com o colorido do circo, a magia de gêmeas siamesas, gigantes e de uma cidade perfeita e um grande peixe que ninguém consegue pescar. Unicamente, neste filme, Burton dá predileção a cenários mais iluminados.
Há muitas tomadas cheias de fantasia. Mas a cena mais bonita é a do carro submerso. É incrível como certas coisas impossíveis parecem reais no filme. A identificação com fatos tão extravagantes indica que Burton se aperfeiçoa a cada filme.
Peixe Grande apresenta poucos cortes. A câmera por vezes pára, vai, volta. Os travellings são curtos, mas ainda há o plano-seqüência. A perspectiva de fundo também aparece, principalmente quando o personagem caminha. Alguns flashbacks têm fusão.
A noiva cadáver
Esta animação feita com bonecos de massa apresenta outro tema sobrenatural – o casamento entre um jovem e uma moça morta -, mas é realizada de maneira que o sombrio seja visto de uma maneira amável. Os personagens do além são retratados com cores alegres, enquanto que os moradores vivos e a cidade onde moram recebem textura cinzenta e aspecto cadavérico. Quando vivas, as pessoas são tristes; a morte, de fato, aqui, é uma reviravolta que concede à existência uma oportunidade de diversão a toda hora. Os vivos são antipáticos; os mortos, caridosos e risonhos. O apego de Tim Burton aos temas transcendentais se revela nessa abordagem em que estar morto é melhor opção.
A movimentação de câmera obedece aos parâmetros apresentados: no início, travelling longo atrás de uma borboleta; o olhar através da janela; o uso do plongée para denotar superioridade do personagem; detalhes e cortes rápidos.
Conclusão
Analisados os principais filmes de Tim Burton, tem-se agora um panorama mais claro sobre suas recorrências estéticas e formais. No plano estético, tem-se a temática Expressionista, fantástica, sobrenatural; névoa, neblina, fumaça; preto x branco / luz x sombra; surrealismo; terror cômico; humor irreverente; paródia a filmes de terror, homenagem a atores desses filmes; heróis problemáticos, estranhos e incompreendidos – o anti-herói; mocinhas vestidas de branco; uso de invenções / experimentos esdrúxulos; contraponto entre sombrio e colorido; happy end; figuras de halloween, personagens bizarros; predileção pela contratação dos mesmos atores.
No plano formal, apresentam-se os cortes bruscos nas cenas de suspense / ação; plongée e contra-plongée; trucagem em maquete; perspectiva de fundo; filme começa com travelling horizontal e termina com travelling vertical; fusão para flashback; imagem por trás da janela; travellings curtos para enquadramento; cortes nos diálogos – contraponto entre interlocutores; câmera subjetiva; construção em espiral e câmera que brinca com o espectador.
Bibliografia
LAURENT, Tirard. Grandes diretores de cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
ARZA, M. Marcos. Tim Burton. Madrid: Cátedra, 2004. Colección Signo e Imagen.
[1] In: http://www.stopmotionanimation.com/
Ótimo texto!! Muito completo.
ResponderExcluirFicou bom mesmo!
ResponderExcluirParabéns!