quarta-feira, 21 de março de 2007

"Bowie's Jetty" por Ana Maria Maia




Jump they say (1993) “é a história de um homem marcado por uma imagem da infância.” É o videoclipe em que David Bowie relembra o suicídio do irmão esquizofrênico Terry e versa sobre o desespero de sentir-se pressionado. Uma auto-biografia do cantor pensando a metafísica do ser. Uma referência direta ao sci-fi que o instigou nesses pensamentos: La Jeteé (1962), foto montagem do francês Chris Marker.

O que o stop motion em preto e branco de La Jeteé constrói é a hipótese de uma Paris devastada pós 3ª Guerra Mundial. Da cidade quase nada se vê. Quando se vê são só memórias, o passado do protagonista: um prisioneiro de guerra submetido a experimentos científicos de viagem no tempo.

No escuro das galerias do Palais de Chaillot, ele não é o único a, através de uma traquitana visual –uma espécie de tempão de olho com eletrodos adaptados-, viajar por outras esferas da consciência –supostos universos paralelos- a procura de comida, energia e suplementos para os poucos refugiados que resistiram à destruição.

“Somar passado e futuro para remediar o presente”, diz a narração que entoa a teoria do filme. Teoria que Bowie toma como missão em Jump they say. Ele, no papel não de um prisioneiro, mas de um funcionário de uma grande corporação –analogia da contemporaneidade-, veste o tampão e torna-se alvo de experiências de laboratório, mártir de uma causa a que, até então, permanece alheio.

A cena do experimento é, sem dúvida, a grande homenagem de Bowie a La Jeteé. Homenagem porque, mesmo num roteiro de adaptações e elucidações, neste momento, é a reprodução literal do curta, em elementos cênicos, em enquadramento, em dramaticidade. Lógico que estetizados à última potência, visto que integrantes do universo Bowie.

Universo, aliás, lido com maestria pela direção de Mark Romanek. O cultuado realizador, que já hypou em videoclipe nomes como Madona (Rain, 1993; Badtime story, 1995), Sonic Youth (Little trouble girl, 1995), Fiona Apple (Criminal, 1997) e Beck (Devil’s Haircut, 1996), materializou a apropriação que levou La Jeteé do cult ao pop. Um desrespeito sincero que atribuiu novas virtudes à história.

Apesar da letra pudica – “They say hey that's really something / They feel he should get some time / I say he should watch his ass / My friend don't listen to the crowd”-, o dançante Jump they say resultou visualmente num produto arrojado para o início da década de 90. Assisti-lo 14 anos depois não soa datado, nem no bom –histórico, tido como referência pura de uma época-, nem no mau –kitsch, esvaziado pelo tempo- sentido.

Talvez a intenção cenográfica de Romanek fosse realmente impregnada pelo futurismo: ordenado, preciso, sincopado no ritmo das máquinas. Todo o elenco do clipe parece mesmo agir numa linha de produção, numa cadeia de fragmentos e múltiplos, num ambiente asséptico, de luzes brancas e paredes frias.

Luzes e paredes indiciais para a percepção da virada da trama. Isso porque o ambiente de rodagem, sem nenhuma mudança, passa de corporativo a hospitalar na medida em que Bowie é encurralado. O rebolativo funcionário padrão tenta fugir, mas o sistema é mais forte. O sistema o amordaça, o sistema o faz de cobaia, o sistema o leva à desistência.

Assim como La Jeteé levou Bowie às imagens da infância, às lembranças do passado. Assim como provocou a ilusão de um sentimento intimo e particular. O presente não tem mesmo remédio. Para entender, melhor assistir ao curta. E depois voltar a ver o clipe. “They say: jump!”

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